Ator volta a sua cidade natal e dá vida a Richard, policial eletrizado pelo caos no filme baseado na obra de Marcello Quintanilha
Dia 17 de maio chega aos cinemas o filme Tungstênio, baseado no quadrinho homônimo de Marcello Quintanilha, transcrito para as telonas a partir do olhar do cineasta Heitor Dhalia. A trama traz quatro personagens para o centro da narrativa, e um deles é Richard, interpretado por Fabrício Boliveira. O ator soteropolitano dá vida a um policial que atua movido por seus instintos, custe o que isso custar. “Richard é um homem tentando respirar frente a uma vida que o emparedou. Vejo nele as explosões, as polarizações, as reproduções sociais e os desejos de um homem comum brasileiro”, conta Boliveira.
Materializar o personagem contido no universo caótico apresentado por Quintanilha exigiu esforços do ator que realizou dieta supervisionada para adquirir massa muscular e se aproximar à imagem de Richard dos quadrinhos. Se “integrar às raízes” também foi necessário. O filme foi gravado em Salvador e segundo o ator “rendeu encontros lindos”. “Adoro a região da cidade baixa. É a união de subúrbios populosos, bucólicos, violentos e com um mar encantado e abençoado. Já queria investigar esse espaço. Ao descobrir toda a trama psicológica e aquecida desses personagens, percebi que provocava uma composição que me interessava, contrastante ao mesmo tempo harmônica. Inusitada’’, declara.
Tungstênio explora as tensões que permeiam as relações humanas, onde situações aparentemente banais são capazes de refletir consequências absolutamente imprevisíveis. Situações tóxicas são expostas nas telonas. Richard, por exemplo, vive complexo e explosivo relacionamento com Keira, personagem de Samira Carvalho, que por vezes cai em violência. Segundo Boliveira, o casal é formado por “seres amáveis e amantes mergulhados em desejos reproduzidos, ideias impostas, falência da instituição casamento, preconceitos nos gêneros, excessos na individualidade e toda a violência gerada pelo não entendimento de tudo isso em si’’.
Mergulhar no universo urbano animado de Quintanilha é descrito por Boliveira como “dádiva”. Transcrever o quadrinho para as telonas foi possível com ajuda da criatividade e intuição de Heitor Dhalia, resultando em personagens com “complexidades que o maniqueísmo não dá conta e a vida nas suas incertezas”.
Confira a entrevista com o ator Fabrício Boliveira na íntegra:
Como se deu o convite para encarar o papel de Richard no filme?
Eu fiz um teste com o Chico Accioly e cheguei até o roteiro do filme e ao Heitor.
Você já conhecia o HQ de Marcello Quintanilha?
Não conhecia. Foi uma dádiva mergulhar nesse universo urbano animado do Quintanilha.
O que te chamou mais atenção no personagem e no roteiro?
Adoro a região da cidade baixa de Salvador. É a união de subúrbios populosos, bucólicos, violentos e com um mar encantado e abençoado. Já queria investigar esse espaço. Ao descobrir toda a trama psicológica e aquecida desses personagens, percebi que provocava uma composição que me interessava, contrastante ao mesmo tempo harmônica. Inusitada.
Como você se preparou para interpretar o personagem? Quais foram os principais desafios?
Fiz uma preparação muito minuciosa e divertida com o Chico Accioly, com o Heitor e elenco. A presença das figurinistas e das equipes de arte e direção, Kity Féo, tornaram o Richard mais complexo. Poder usar meu sotaque deixava as coisas mais próximas também. E para me aproximar mais à imagem do Richard do quadrinho engordei muitos quilos e malhei pesado para ganhar massa muscular junto. Uma preparação com nutricionistas e com o personal trainer Alisson Boliveira (que tem me acompanhado nessas transições). Pós isso, me integrar às minhas raízes e ajustar os afetos com os outros atores. Foram encontros lindos!
Como foi a relação com Heitor Dhalia no set?
Adoro a energia do Heitor no set. Conectava muito com a energia do filme e então mergulhamos na alta voltagem de Tungstênio. Heitor é bastante estudioso e isso deixa a criatividade e a intuição dele livres para fluírem no set. Senti ele muito presente no Richard também.
Como você define o personagem Richard?
Richard é um homem tentando respirar frente a uma vida que o emparedou. Pelas suas escolhas e confortos. Vejo nele as explosões, as polarizações, as reproduções sociais e os desejos de um homem comum brasileiro. Com muita ação, discurso e alguma reflexão.
Richard é um policial que, ao invés de proteger, intimida a todos. Para você, ele é a representação do anti-herói presente em nossa sociedade?
Richard apresenta as complexidades que o maniqueísmo não dá conta. É a vida nas suas incertezas. Faz com que olhemos para ele e não percamos de vista nós. Um policial dificilmente será um herói nos dias atuais, mas o filme investiga, além dessa representação, as potências e escapes dessa confusão mental.
Tungstênio marca a estreia de Samira como atriz. Como você pôde contribuir com esse novo talento na obra? E com Wesley?
Tivemos uma relação bastante sincera e profunda. Fomos em muitos limites e nos mostramos bastante. Tudo com respeito e segurança. E, para além do filme, crescemos juntos como indivíduos. Sinto que a arte se fez presente assim.
A relação entre Richard e Keira é tóxica e tensa, características de relacionamentos facilmente encontradas na vida real. O que você pensa sobre isso, visando o crescimento do debate sobre violência (física e verbal) doméstica?
Seres amáveis e amantes mergulhados em desejos reproduzidos, ideias impostas, falência da instituição casamento, preconceitos nos gêneros, excessos na individualidade e toda a violência gerada pelo não entendimento de tudo isso em si. Todos nós nos identificamos. Pós cena, ficava um “silêncio de digestão”, a equipe repensando suas ações no âmbito pessoal. Para mim, função cumprida!
Todos os personagens da obra são intensos e compartilham a violência (seja física ou verbal) como reação às suas fraquezas, gerando uma explosão de caos e sentimentos. Visivelmente, são personagens contemporâneos. Como você enxerga a relação Tungstênio x sociedade atual?
Percebo alimento da confusão pelo excesso de informações. Mais falas, julgamentos, conclusões e menos escutas, reflexões e diálogos. O que liberta, aprisiona? A mente aprisiona, o trabalho aprisiona, a mentira aprisiona, o sexo aprisiona, o poder, dinheiro…
O que significa para o cinema nacional ter um filme com o elenco predominantemente negro e um time quase 100% baiano?
Desde a estreia de Vazante em Brasília, que algo gerado ali começa a reverberar por todo país, conectando-se com o mundo. O filme Pantera Negra é uma prova dessa discussão universal. No Brasil, as discussões chegam agora e são muito verdes, principalmente pelos que estão tentando continuar a impor um tipo de cinema que envelheceu. O que ficou claro, foi o desejo de um público diverso, de se ver representado em outras cores e histórias que avancem. Não mais a doutrinação, a permanência, o conforto, agora a explosão no novo presente, desejado, compartilhado e clamado por todos.
Tungstênio aposta na força de um retrato social da Bahia que se reflete por todo o País. Cada história contada tem como personagem uma figura que vive às margens da sociedade e é tratada com descaso na vida real. Pensando no cenário atual do Brasil, como você acha que as pessoas reagirão ao assistirem ao longa? Qual sua expectativa?
Sinto que tem um diálogo para além do debate de classes. Fala de gente, escolhas, os achismos da “mente”, a padronização de comportamento. Claro que no olhar de pessoas que pouco são vistas no cinema, trata-se também de uma questão social. Mas, avança pra um olhar sobre racialidade, pela presença na primeira pessoa do discurso. Sinto que o público deseja essas novas narrativas complexas, nacionais e profundas.