Crítica | Jim & Andy: quando os caminhos de dois gênios se cruzam

Histórias de bastidores sempre despertam a curiosidade dos fãs da sétima arte. Brigas, romances, ator que dá ataque de estrelismo ou diretor intransigente, tudo contribui para o misticismo que cerca as produções hollywoodianas. Entre os filmes que fazem parte dessa lista, O Mundo de Andy sempre guardou seu mistério com afinco. Jim Carrey realmente foi um babaca durante as filmagens? Seu método de atuação era tão magistral assim? Questões nunca antes respondidas ganham uma luz em Jim & Andy: The Great Beyond – Featuring a Very Special, Contractually Obligated Mention of Tony Clifton, documentário original da Netflix.

Em seu novo trabalho, o diretor Chris Smith (American Movie, Collapse) mergulha nos bastidores da conturbada gravação de O Mundo de Andy, na medida em que apresenta ao espectador um emocionante relato da simbiose de dois gênios da comédia: Andy Kaufman e Jim Carrey. “Mestre” e “discípulo” que estabeleceram uma conexão quase espiritual. Ou algo nesse sentido.

Na década em que esteve no auge, Andy Kaufman revolucionou a comédia. Uma força incontrolável da natureza, ele foi pioneiro na arte de testar os tais limites do humor. Seus personagens, como o Foreign Man e Tony Clifton, eram extensões de sua visão pouco convencional. Aposto que suas performances seriam duramente criticadas hoje em dia. Mas seu talento plantou uma semente num jovem rapaz que até então fazia graça apenas para animar as reuniões de família. Foi desse ponto que Jim Carrey passou a perseguir o sucesso, alcançando seu sonho de maneira meteórica. Nada mais justo que ele movesse céus e terras para interpretar Andy em sua cinebiografia. O que ninguém poderia imaginar é que essa ambição tomaria um rumo inesperado.

Jim & Andy mostra a babaquice por trás de genialidade de Jim Carrey. Divulgação: Netflix.

Nas imagens feitas por Lynne Margulies e Bob Zmuda, namorada e melhor amigo de Andy, podemos ver como as peripécias de Carrey tiraram o sossego de todos os envolvidos em O Mundo de Andy. Destaque especial para o momento em que o renomado diretor Milos Forman (Um Estranho no Ninho) implora para que Jim, devidamente caracterizado com toda a babaquice de Tony Clifton, faça pelo menos uma cena de acordo com o roteiro. Sem contar os problemas com Danny DeVito, Paul Giamatti e o ex-lutador Jerry Lawler. Incomoda bastante conhecer essa versão de Jim Carrey, talvez na mesma medida em que seja algo fascinante. Babaquice e genialidade nunca andaram tão próximas.

No entanto, Jim & Andy é mais do que um estudo do método de atuação. Ao intercalar vídeos de apresentações de Kaufman e dos primeiros passos da carreira de Carrey antes do sucesso estrondoso, Chris Smith cria uma experiência catártica. Sensação que é corroborada por uma entrevista concedida por um Jim Carrey mais velho, barbudo e bem menos agitado que no passado. Dessa forma, o diretor abre espaço para que seu protagonista divague sobre infância, carreira, sucesso, fundo do poço e outras coisas que permeiam a vida.

Assim, o espectador consegue compreender como cada filme representa um estado de espírito diferente da carreira de Jim Carrey. Em especial o excelente O Show de Truman, que ganha contornos ainda mais interessantes com esse documentário. Curiosamente, O Mundo de Andy acabou não sendo bem recebido pelo público e pela crítica. Ainda que tenha premiado Carrey com um Globo de Ouro. Mas ao final de Jim & Andy, é complicado não pensar que estamos diante de mais uma injustiça do Oscar.

Jim & Andy é uma intensa viagem metalinguística entre realidade e ficção. Um pequeno exemplar capaz de alterar as perspectivas não apenas de um filme, mas também da carreira de dois gênios da comédia. Mesmo que um deles, hoje em dia, não passe de uma piada que perdeu a graça depois de ser repetida várias vezes.