Tem No Netflix | O Lutador

Na falta de um título nacional mais apropriado, O Lutador (The Wrestler, 2008) do diretor Darren Aronofsky compensa o nome manjado típico de filmes de ação e nos proporciona uma experiência incrível de redenção, autoafirmação e até mutilação de uma pessoa que não pode ser ninguém além dela mesma, numa arrebatadora performance do ator Mickey Rourke que estava a um tempo esquecido e vinha de um bom trabalho em Sin City.

Randy “The Ram” Robinson (Mickey Rourke) é um wrestler famoso que já passou do seu auge a muito tempo, mas ainda trabalha no que ama e mesmo não ganhando muito dinheiro com isso, ele faz bicos para manter suas contas e se divertir no clube de strip-tease com Pam (Marisa Tomei). Sua rotina muda drasticamente quando sofre um infarto e o médico adverte que se ele lutar novamente, seu coração não irá resistir. Randy então tenta reaproximar-se de sua filha Stephanie (Evan Rachel Wood) afim de concertar seus erros e sua vida solitária.

O aspecto documental que o filme tem se encaixa perfeitamente com a apresentação dos bastidores do submundo do Wrestling (conhecido como Luta Livre no Brasil) americano e conta com alguns lutadores reais como Ron Killings, mostrando que não é apenas uma “luta de mentira” e há muito mais coisas envolvidas, como o preconceito que algumas pessoas tem retratado em Wayne, chefe de Randy (Todd Barry) no supermercado, além do uso de drogas para ficar com o corpo maior para as lutas e os acidentes que podem acontecer (e as vezes machucam muito) nas lutas.

A dificuldade dele fora dos ringues é retratada de várias formas no filme, como na cena onde ele joga videogame com Adam (John D’Leo), ele ainda possui um Nintendo 8 bit, e o garoto não perdoa perguntando se ele nunca ouviu falar de Call of Duty. Outra cena sensacional é quando Randy vai trabalhar atendendo o público no setor de frios do supermercado, e é feito um paralelo com a entrada dele no ringue através do áudio. Caso você precise de cenas que justifiquem o título, há grandes lutas muito bem coreografadas também como a sangrenta disputa contra Necrobutcher.

Poucos papéis relacionam ator e personagem como Randy e Mickey Rourke, que se cortou de verdade nas cenas de luta. Inicialmente negociado para Nicolas Cage, Darren Aronofsky fez questão de bancar Rourke ao assumir o projeto e a aposta deu certo. O filme apresenta um protagonista fictício mas muito humano, onde da mesma forma que ele abandonou sua filha no passado, o mundo o abandona como consequência. E esse mundo é representado por Pam e Stephanie. Marisa Tomei está muito bem no papel de stripper um tanto velha para a carreira, e o dilema entre ser Cassidy (seu nome artístico) ou Pam enriquece a personagem.

Tanto a fotografia quanto a trilha sonora homenageia a década de oitenta. Além do já citado Nintendo 8 bit, há um pôster do AC/DC no seu quarto, e Randy faz questão de hostilizar os anos noventa por conta do grounge. As músicas originais são compostas por Clint Mansell (que já trabalhou com Aronofsky em outros filme) e há uma inédita de Bruce Springsteen nos créditos finais. Também estão presentes bandas como Ratt e Quiet Riot.

O Lutador não é uma história de superação, muito menos uma disputa encenada entre duas pessoas. Trata-se da redenção de um cara que comete seus erros e é obrigado a aguentar as consequências até o fim da sua vida, sem o vislumbre de seguir outros caminhos para ser alguém. Darren Aronofsky se mantém no topo com este filme.

Texto publicado originalmente em Cinepolitano.