Pinóquio, de Matteo Garrone | Crítica

Mesmo a história não sendo dividida em capítulos, não tendo narrador e nem som de páginas  sendo folheadas, o filme Pinóquio, do diretor italiano Matteo Garrone, consegue a proeza de criar  a sensação de que estamos diante de um livro mágico. Seria compreensível alguém errar o lugar deste filme em DVD e guardá-lo com carinho entre livros numa prateleira, bem ao lado da obra  literária de Carlo Collodi, o primeiro criador de Pinóquio, antes mesmo de Geppetto. Seria bem  mais honroso do que estar ao lado de qualquer outra adaptação, até mesmo do famoso desenho  animado da quase insuperável Disney, que também terá o desafio em lançar Pinóquio em live-action. Uma coisa é certa: enquanto a Disney vai escolher reverenciar a sua animação  clássica de 1940, o filme Pinóquio de Matteo Garrone é uma homenagem direta ao personagem original. 

A história começa com o humilde marceneiro Geppetto (Roberto Benigni), que vive em um lugar  pobre na Itália em busca de algum serviço que garanta seu sustento. Após admirar alguns  marionetes guardados em uma carruagem e ganhar um pedaço de madeira mágica, o criador  esculpe sua criatura e, como Deus, pede para o objeto falar e assim Pinóquio (Federico Ielapiganha vida. Enquanto o menino de madeira cria laços com seu pai, acaba entrando em aventuras  arriscadas e conhecendo personagens cada vez mais surrealistas, precisando perder um pouco  da sua ingenuidade para realizar os seus sonhos. 

É lamentável que este filme tenha sido associado a termos como “sombrio” e “tom de terror”,  como se este fosse o objetivo principal. Já era tempo de o cinema conseguir resgatar um tom  menos abobalhado para histórias infantis, tão fácil de ser encontrado em filmes dos anos de 1990. Inclusive, ousaria dizer que desde A.I. – Inteligência Artificial, de 2001,  a história de Pinóquio  não era tão bem utilizada. 

Trazendo cenários deslumbrantes da Itália, sempre com uma música instrumental cativante,  Pinóquio atrai os olhares ao oferecer tantas imagens curiosas. O protagonista em si já seria o  suficiente para uma observação atenta. É de fato um trabalho bem realizado. Fique atento aos  detalhes, como os ruídos constantes de madeira enquanto Pinóquio se movimenta ou bate em  alguma coisa. Tudo acrescenta um pouco na construção deste mundo impossível. Porém, o  filme tem muito mais do que Pinóquio, surpreendendo a quem só conhece o personagem pelo  desenho animado da Disney. Logo que surge o “gigante” Grilo-Falante (Davide Marotta) e a  “pequena” Fada Azul (Alida Baldari Calabria) numa situação bem inusitada, qualquer um se  convence de que não sabe tudo sobre a história “batida”.

Os vilões trapaceiros, Raposa (Massimo Ceccherine) e Gato (Rocco Papaleo), a amorosa Caracol  (Maria Pia Timo) e o desesperançoso Atum (Maurizio Lombardi) são quase as versões reais de bichos de fábulas. As atuações quase teatrais acabam lembrando um pouco de algo como O  Mágico de Oz, de 1939. Acredito que a presença desses personagens possa agradar mais do  que a tão esperada cena da monstruosa Baleia, que nesta versão é substituída por um enorme  peixe feioso. Apesar de sentir que este marcante momento tenha sido mais rápido do que o  esperado, é o suficiente para satisfazer a expectativa. A cena dos “meninos burros” chega a ser  o momento mais tenso do filme e é uma sequência cheia de acertos. Realmente, o parque de  diversão é atraente demais como de armadilha para crianças, inclusive para as que  estiverem assistindo ao filme. 

pinóquio

Acredito que seja a primeira adaptação que faz o público pensar melhor sobre Geppetto. Ainda  que não se fale muito sobre o passado do personagem, é crível o surgimento de amor paternal  naquele senhor solitário por seu inusitado filho. Pela maneira que ele se entrega à relação, dá  para imaginar o quanto ele sentia falta de uma família. Esta base inicial do roteiro é fundamental  para aumentar a angústia que é ver Pinóquio sendo rebelde com Geppetto e cometendo vários  erros, que acabam lhe afastando de quem lhe quer bem. Devido a imaturidade, as lições só são  aprendidas por Pinóquio através da sensatez da Fada Azul (Marine Vacth) – só vendo o filme  para entender a razão de ter duas atrizes interpretando o mesmo personagem. Inclusive é um  tanto irônico ver que a Fada Azul incentiva Pinóquio aos estudos, porém, o cenário que é  apresentado como a escola, local de aprendizado, parece mais um pesadelo com um professor  perverso e autoritário. Não sei se houve a intenção de enviar a mensagem “estude apesar das  circunstâncias porque é importante”. Quem tiver entendido assim… que bom. 

Ainda que tenha instantes que pareçam longos demais e alguns efeitos especiais que poderiam  ser melhorados, o trabalho cuidadoso da produção com figurino e maquiagem reduz a gravidade  de qualquer excesso. 

Mesmo com cores frias e trazendo situações dramáticas, Pinóquio termina com uma sensação de afago quentinho nos corações e, por mais óbvio que seja, cria uma vontade de sorrir. Acredito que muitos adultos, por alguns instantes, receberá o feitiço da Fada Azul e voltará a ser um menino de verdade.