It a coisa It a coisa

It: A Coisa | Crítica

É fácil reduzir filmes de terror a sustos baratos, personagens afetados e criaturas horripilantes. Dando ao gênero uma importância muito menor do que ele realmente merece. Tal pensamento é alimentado cada vez mais pelas desastrosas obras do terror enlatado hollywoodiano, onde o jump scare impera diante de um bom roteiro. Por isso It: A Coisa é tão importante para o cenário em que está inserido.

Não é o melhor filme de terror do ano apenas pelos sustos, mas por todas as camadas que possui. E o mais importante, tem algo a dizer ao espectador. Um questionamento que fica martelando em sua cabeça ao final do filme: o que te causa medo? Um palhaço gigante? Um pai abusivo? A sensação de impotência em proteger as pessoas que ama? O inevitável ciclo de crescimento da vida? Todos temos nossos medos e precisamos lidar com eles.

Afastando a maior nuvem de dúvida que cercava It: A Coisa, Bill Skarsgård constrói com maestria sua versão do bufão Pennywise. Na clássica cena de abertura, quando encontra o desafortunado Georgie (Jackson Robert Scott), o ator sueco mostra que não está ali para brincadeira. Tudo é concluído de forma brutal e dá o tom do que veremos dali para a frente. Bill abusa de trejeitos e entonações na voz para causar o medo, que aliadas ao visual, formam uma figura diabólica.

Porém, apesar de sua importância, Pennywise não é o centro das atenções. O coração da obra prima de Stephen King está no Clube dos Otários, algo que o filme captou com perfeição. Bill (Jaeden Lieberher), Ben (Jeremy Ray Taylor), Beverly (Sophia Lillis), Richie (Finn Wolfhard), Mike (Chosen Jacobs), Eddie (Jack Dylan Grazer) e Stanley (Wyatt Oleff) são de longe os melhores elementos do filme. Todo longa de terror que se preze precisa entregar personagens para o espectador se importar. It: A Coisa vai além e nos dá personagens com que nos identificamos. Isso acrescenta brilho aos momentos de calmaria e urgência nas horas de perigo.

Leia também: As melhores adaptações das obras de Stephen King

O roteiro de Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman acerta ao transformar a cidade de Derry no palco das crianças. A ausência de adultos durante boa parte do tempo é um elemento narrativo importante. Primeiro para transmitir uma sensação de descaso dos “responsáveis”, fechando os olhos para a série de acontecimentos bizarros. E segundo, para torná-los ainda mais vilões do que o palhaço dançarino a cada aparição. Sempre que um adulto surge, é para destruir psicologicamente e fisicamente algum membro do Clube.

E isso contribui para a figura de Pennywise. O palhaço, que se alimenta muito mais do medo dos infantes do que de sua carne, é uma clara representação de tudo de errado que cerca aquelas crianças. É a personificação de toda a maldade presente na humanidade, a quebra da inocência. Por isso é impactante quando Bill afirma que é mais fácil entrar na toca do palhaço do que em sua própria casa. A realidade é sempre mais cruel do que qualquer elemento fantástico.

A direção do argentino Andy Muschietti (Mama) é precisa. Ele sabe dosar as aparições de Pennywise, deixando-o em tela tempo suficiente para completar sua missão. Tanto que o desgaste natural de sua figura ocorre justamente no momento do grande confronto. Também fica muito claro o quanto ele possui leveza na hora de guiar as crianças, especialmente nas cenas mais pesadas. Existem, porém, alguns problemas. Especialmente nos momentos em que o filme abandona sua essência para tentar seguir o caminho dos últimos blockbusters vazios de terror. Mas nada que estrague a experiência.

It: A Coisa é um ótimo terror, mas um excelente longa sobre amizade, amadurecimento e o quanto é difícil bater de frente com a vida. Fisga aqueles que nunca leram uma página sequer do livro, assim como acalenta o coração dos fãs de Stephen King. É sim uma adaptação, mas que consegue caminhar com suas próprias forças.