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Hamilton

O ano era 2015. Os Estados Unidos ainda tinham Barak Obama como presidente, sendo a primeira pessoa negra a ocupar esse cargo. Lin-Manuel Miranda tinha lido um livro sobre Alexander Hamilton, o primeiro tesoureiro dos EUA e teve uma ideia inusitada: contar a história do político através de um musical de hip-hop encenado somente com pessoas não-brancas. A controversa história de um imigrante que lutou na independência dos EUA e depois ajudou a formar o país fazia muito sentido na época. Com o governo Trump e suas políticas xenofóbicas, o musical ganhou uma responsabilidade diferente. Agora em 2020, a peça da Broadway está finalmente mais acessível de forma legal para a população mundial no Disney+.

A ideia de contar a história do primeiro tesoureiro dos EUA não parece nem um pouco interessante para um musical. E mais ainda quando é contada absurdamente através do rap. Mas quando paramos para pensar, faz todo sentido. O rap é um estilo musical iniciado nos EUA e que veio da periferia, através dos negros e imigrantes. É um estilo musical de revolta e revolução, faz todo sentido ele ser usado como estilo musical em uma história que fala da independência dos EUA.

O rap não é o único gênero do musical, mas ele é usado com maestria pelos personagens que encabeçam a revolução, principalmente os amigos de Hamilton, cidadãos comuns. George Washington, interpretado pelo incrível Christopher Jackson,  por exemplo, apesar de ser o líder dos revoltosos, é visto como uma figura de maior autoridade e mais velha então utiliza um estilo de canto mais clássico. Já o rei da Inglaterra George III, interpretado pelo ótimo Jonathan Groff (único ator branco da peça), canta sempre em um britpop. Em outros momentos vemos outros estilos como R&B ou Trap, sempre fazendo sentindo com o que está sendo contado na cena.

Por falar nas músicas, é incrível como um musical que possui quase 3 horas de duração tenha tantas músicas boas. Toda a estrutura musical é muito bem pensada, cada personagem tem o seu tema que vai se repetindo em diversos momentos durante o musical para ressaltar suas personalidades. Algumas situações que se repetem, como os duelos, também possuem seus próprios temas musicais. Inclusive, esses temas musicais ajudam bastante no foreshadowing, anunciando situações que podem vir no futuro. As músicas foram um trabalho árduo de Lin-Manuel durante anos e felizmente ele conseguiu um elenco à altura para as interpretar no palco. Eu poderia falar parágrafos aqui sobre os intérpretes mas fica aqui as menções de Leslie Odom Jr. como o rival Aaron Burr e Phillipa Soo como a esposa Elisa.

Como falei anteriormente, a ideia de uma história sobre um político fundador dos EUA parece um pouco sem graça, principalmente para a gente. Mas a história de Hamilton tem tantas situações absurdas que você acaba entendendo a vontade de Lin-Manuel de contá-la. Além disso, o musical Hamilton atravessa fronteiras e fala sobre diversos temas: revolução, traição, amor, legado, entre outros. Você vai chorar, rir, se emocionar e vibrar. Não é a toa que diversos movimentos negros e de direitos civis em manifestações nos EUA usaram placas com frases do musical como “Isso não é um momento, é um movimento” ou “imigrantes, nós resolvemos as coisas”.

É muito bom que um musical desses fique mais acessível para os reles mortais como nós. Hamilton foi um sucesso tão grande na Broadway que era caríssimo e difícil conseguir ingressos por muito tempo. A versão filmada para a Disney+ conta com várias câmeras e ótima mixagem de som. Em certos aspectos é até melhor do que ver ao vivo, pois podemos ver a expressão dos atores em momentos chave e o palco todo em músicas que utilizam mais os dançarinos.

Hamilton é uma obra de arte. Seja pelo seu texto, suas músicas incríveis, suas decisões de contar uma história tão longa em um palco pequeno ou pelo seu elenco magistral. Não é uma obra que fala somente pela revolução e primeiros anos dos Estados Unidos. O musical fala sobre ser humano, as controvérsias, alegrias e desgraças de viver. Nos ensina a dar mais valor ao que importa e lutar pelas nossas convicções…mas nem tanto. É muito bom também que uma história protagonizada só por pessoas brancas tenham um elenco cheio de negros, latinos e imigrantes. É uma oportunidade desses cantores e atores de interpretarem algo diferente do escravo ou do membro de gangue. Infelizmente o musical acaba passado pano para alguns personagens que eram donos de escravos como George Washington, preferindo somente tocar nesse assunto de forma leve. Também é um pouco difícil se empolgar com uma história sobre a formação dos EUA sabendo no que o país se tornou futuramente. Mas até nisso o musical se preocupa, colocando Thomas Jefferson e outras figuras famosas como pessoas não exatamente tão boas assim. Mas, deixando esses pequenos detalhes de lado, Hamilton é uma obra-prima que merece ser assistida.