Jogos Mortais foi, sem dúvida, a franquia de terror que mais marcou os anos 2000. Num momento em que o cinema do gênero estava em baixa, com poucos grandes sucessos, Jogos Mortais e os remakes de filmes de horror asiáticos como O Chamado (2002) e O Grito (2004) foram extremamente importantes para revitalizar o horror no início da década. Estreando em 2004, Jogos Mortais foi o principal responsável por trazer de volta o gore para as telonas, criando uma onda de filmes cuja violência explícita era o foco principal, como a franquia O Albergue que surgiu a partir de 2005, dentre muitos outros.
No entanto, ao contrário de O Albergue, Jogos Mortais vai muito além do sangue e das tripas, pois nesta franquia o gore funciona de forma auxiliar como um elemento marcante para aprimorar uma trama investigativa extremamente instigante, cheia de mistérios, reviravoltas e um final arrebatador. Com baixo orçamento, o primeiro filme foi um grande sucesso e rendeu diversas sequências, uma a cada ano, estreando sempre próximo ao Halloween. Jogos Mortais 2 e 3 ainda foram bem interessantes, seguindo o mesmo estilo do primeiro longa, mas ampliando o universo, nos apresentando novos personagens-chave e aprofundando a história do serial-killer Jigsaw, cujo nome verdadeiro é John Kramer (Tobin Bell), além de gerar ainda mais mistérios e nos apresentar armadilhas cada vez mais cruéis e fascinantes.
A morte de John Kramer no terceiro filme dava margem para o final da saga como trilogia, mas o sucesso era estrondoso e os lucros só aumentavam a cada sequência, então a partir disto vimos que Jigsaw deixou um grande legado que rendeu ainda mais 4 produções na mesma década, culminando em Jogos Mortais 7: O Final (2010). Apesar dos filmes 4 ao 6 ficarem abaixo da média dos 3 primeiros apresentando um enredo com claros sinais de desgaste, Jogos Mortais 7 conseguiu “finalizar” bem a franquia, mantendo o gore característico, a engenhosidade das armadilhas e ainda ligando diversos acontecimentos dentre todos os filmes numa trama bem consistente e intrigante. Porém, sete anos depois, o legado de Jigsaw ressurge em Jogos Mortais : Jigsaw. A nova produção segue muitas das fórmulas já usadas nas demais, tentando inovar em alguns aspectos e surpreender o espectador, mas quem já achava que o roteiro apresentava situações forçadas a partir do quarto filme, agora encontrará muito mais conveniências e até furos que ficam difíceis de engolir.
No enredo de Jogos Mortais: Jigsaw, cadáveres estão sendo encontrados pela cidade, com marcas peculiares, mensagens e vestígios que indicam John Kramer, morto há 10 anos, como principal suspeito. A trama segue o Detetive Halloran (Callum Keith Rennie) e seu assistente Keith Hunt (Clé Bennett), juntamente com a dupla de médicos legistas Logan Nelson (Matt Passmore) e Eleanor Bonneville (Hannah Emily Anderson), tentando desvendar os mistérios desses assassinatos. Logo na abertura do filme já se ouve parte da melodia eletrizante da música tema presente em todos os Jogos Mortais, e que é responsável por tornar ainda mais empolgantes os acontecimentos marcantes da trama. Ainda na introdução do filme, não há nenhuma armadilha, apenas uma perseguição policial, que culmina num personagem baleado e numa cena clichê e quase caricata de “últimas palavras”, que nesse caso são “Os jogos começaram.”
Infelizmente, as armadilhas fascinantes que a franquia nos apresentou ao longo de seus sete filmes, que impressionavam justamente pelo seu realismo sádico, desta vez são muito menos engenhosas ou pouco inovadoras, algumas até funcionando de forma forçada, com clara ajuda de efeitos de computação gráfica, desafiando o bom senso do espectador. Pelo menos, a simplicidade dessas armadilhas é justificada na trama, o que ameniza levemente essa má impressão. Tentando agradar os fãs, o filme ainda revisita armadilhas das produções anteriores, de uma forma que também me pareceu (mais uma vez) forçada na trama.
Os personagens que são vítimas dos jogos iniciais neste filme, como sempre vão revelando sua história e seus “pecados” aos poucos, confessando à medida em que são torturados. No entanto, nenhum deles é carismático ou enigmático, alguns são até mesmo caricatos, possuindo histórias bem rasas e clichês. Ainda assim, o filme consegue manter um intenso clima de mistério sobre quem é o assassino da vez, utilizando diversas táticas para desviar a atenção do espectador, algumas delas até inovadoras para a franquia. Quando a revelação final acontece, ao som da música tema característica, o espectador em geral acaba sendo surpreendido, porém, ao invés de nos fazer repensar tudo que vimos e admirar-nos com a genialidade do “Jigsaw”, percebemos que diversas “soluções” da trama para criar tais reviravoltas se baseiam em conveniências do roteiro que ficam difíceis de engolir. Além da capacidade incrível de planejamento do serial killer, que já é bem conhecida dos demais filmes, a impressão que dá em certos momentos é de que “Jigsaw” é onisciente, pois ele sabe de diversos detalhes da vida de suas vítimas que o roteiro não explica bem como.
Além disso, a justificativa que o filme dá para encaixar sua história na linha do tempo da franquia já foi usada algumas vezes, e desta vez não contribui em praticamente nada na história da saga como um todo, estabelecendo-se como uma fórmula para gerar incontáveis sequências. Com a trama relativamente fraca, que já era de se esperar deste oitavo filme, ao menos achei que o longa iria compensar no gore, que invariavelmente acaba sendo um dos apelos da franquia. No entanto, este é um dos Jogos Mortais com menos cenas explícitas de sangue e violência, com até mesmo alguns cortes nas cenas da primeira armadilha, que optam por mostrar a expressão facial dos personagens com sangue jorrando em seus rostos, ao invés de mostrar as lâminas mutilando partes dos seus corpos. A fotografia, desta vez, também inclui-se nas poucas inovações que esta produção trouxe, com muito mais cenas diurnas e com tons amarelados e avermelhados, em contraste com os tons azulados e pretos predominantes nos demais filmes.
Jogos Mortais: Jigsaw mantém praticamente o mesmo estilo dos demais filmes, com poucas inovações, porém o enredo que já apresentava sinais de desgaste ao longo das últimas produções, agora segue de forma cada vez mais forçada, com incômodas conveniências no roteiro. Isto, somado às armadilhas pouco engenhosas e ao baixo teor de gore deve decepcionar boa parte dos fãs da franquia. Mesmo assim, o filme é eficaz em manter um clima interessante de mistério que guia sua trama investigativa, culminando numa reviravolta que apesar de forçar a barra, pode surpreender boa parte do público. Longe de ser um filme marcante, como o primeiro da saga, e ainda bem abaixo da qualidade do sétimo, Jogos Mortais: Jigsaw é um filme razoável que talvez até agrade mais quem não conhece as produções anteriores do que os fãs da franquia, mas ainda assim está muito longe de impressionar.
Jogos Mortais: Jigsaw foi distribuído pela Paris Filmes e estreia dia 30 de novembro no Brasil.