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Bela Vingança

Imagine a frase Promising Young Woman escrita com batom rosa no espelho. Toda a ideia que fiz do filme (que ganhou o título de Bela Vingança no Brasil) foi tirada apenas desta imagem, exibida no cartaz. Assim, entrei na história da melhor maneira: sem ter visto seu trailer ou lido qualquer coisa sobre ela.

Esse desconhecimento prévio me fez esperar um suspense meio trash, o que não seria nenhum problema. Às vezes, tudo que a gente precisa é de uma história de vingança, mesmo que a trama não seja das melhores. Não é à toa que Avenida Brasil foi um sucesso que até hoje rende memes. E quando a revanche está carregada com um histórico de opressão, a recompensa é ainda mais revigorante – aquele prazer macabro de ver Hitler queimando dentro de um cinema.

Mas a Bela Vingança que me refiro aqui é muito mais sutil do que eu havia imaginado. A roteirista e diretora Emerald Fennell soube construir uma narrativa nada óbvia, que confere humor às situações mais inusitadas, e que nos dá informações aos poucos, na hora certa. Como em todo bom thriller, ficamos com os olhos presos na tela, ansiosos pelo que está por vir. Tudo isso, somado a uma direção de arte e trilha sonora incríveis, criam uma atmosfera excêntrica e geram momentos como o instrumental de Toxic da Britney tocando no fundo, enquanto a protagonista prepara seu ataque.

Em Promising Young Woman, acompanhamos Cassandra (Carey Mulligan) lidando com a ausência de sua grande amiga Nina que, após ter a bebida batizada, foi estuprada por colegas da faculdade. Sete anos depois, os porta-retratos e a tela de bloqueio de Cassie ainda ostentam fotos das duas. Durante esse tempo, não manteve quase nenhum relacionamento e desconta sua raiva em homens que tiram proveito de mulheres em estado vulnerável. Por isso, todo fim de semana, vai a bares desacompanhada, fingir que tomou um porre e aguardar o próximo rapaz “gentil” disposto a levá-la para casa.

Esse ciclo doentio é abalado quando reencontra Ryan (Bo Burnham), com quem frequentou o curso de Medicina. Ele lhe desperta afeto, mas também a vontade de punir os responsáveis pela morte de Nina que, ao contrário dela, seguiram muito bem com a vida. A amiga que culpou o comportamento da vítima, a reitora da universidade que abafou o caso, o advogado que inventa crimes como “estupro por acidente”. Cassandra planeja uma armadilha para cada um enquanto nos deixa ávidos para saber até que ponto é capaz de chegar. Por meio de uma empatia forçada, provoca questionamentos que deveriam ser naturais: e se fosse com você? Se fosse com alguém que você ama?

Por outro lado, o sentimento por Ryan fica mais forte e, com delicadeza, Fennell conseguiu desenvolver a dificuldade de alguém ao se permitir amar outra vez, depois de um trauma como esse. Mulligan, por sua vez, deu vida a uma personagem complexa e cativante, que nos leva a torcer por ela, não importa o que faça. Já ouvi dizer que essa é a melhor atuação de sua carreira e não estou aqui para discordar. Quanto aos personagens secundários, porém, não acho que eles sejam completamente planos, como afirmam em outras críticas. Para mim, cumpriram bem o seu papel e demostraram conflitos interessantes dentro do tempo que tiveram no enredo. Se alguns pareceram caricatos, foi graças ao toque de comédia que a diretora deu ao filme, algo que fez com cuidado, respeitando a nossa disposição para acreditar no que estamos assistindo. Mas, de fato, Promising Young Woman foi um prato cheio para a atriz principal, cuja estrela brilhou mais forte.

Cassie, por mais que pareça imbatível na sua sede por justiça, não é uma heroína. Na verdade, é uma pessoa destruída por dentro e, à sua maneira, não deixa que o sofrimento de Nina seja esquecido. O que escolhe para si no final é, provavelmente, a única forma que tem de se libertar. Ao mesmo tempo que frustra, seu desfecho também supera as expectativas, e terminamos o filme (ou, pelo menos, eu terminei) com a sensação de que fomos vingadas. Uma  bela vingança, meio torta, mas surpreendente.