Inspirado em mais uma obra de Agatha Christie, A Noite das Bruxas traz mais uma boa história – que não é lá uma adaptação muito fiel, mas que soube transformar o roteiro em algo interessante, cheio de suspense, com uma pitada de terror, e uma delicinha de assistir (ou não, vai que você não curte o gênero).
Terceiro de uma série de filmes dirigidos por Kenneth Branagh, que também faz o papel do protagonista, A Noite das Bruxas traz um detetive Hercule Poirot que está exausto de sua vida agitada de investigações e mistérios e resolveu se aposentar em Veneza, sendo abruptamente arrancado da sua paz e tranquilidade pela autora e amiga Ariadne Oliver (Tina Fey), que o convida a participar de uma festa de Dia das Bruxas no palazzo de Rowena Drake (Kelly Reilly), uma famosa soprano.
Acontece que, após a festa, haverá uma sessão espírita com uma médium, a famosa Joyce Reynolds (Michelle Yeoh), cuja presença desafia a lógica de Poirot, que afirma veementemente que ela é uma charlatã. Porém, após o evento, uma das inúmeras pessoas presentes é encontrada morta e, assim, temos novamente o investigador em ação, na velha trama de um ambiente fechado, cheio de personagens e um crime a ser resolvido.
A Noite das Bruxas é bem diferente do livro, devo dizer. Ele captura personagens, cenários, o tom, mas deixa de lado vários elementos que fazem a sua literatura original ser tão incrível, como o exemplo de desmistificar transtornos mentais em um gênero que sempre cai no clichê de pessoas neurodivergentes ou doentes serem más, transtornadas a ponto de matarem etc. Ao contrário, no fim das contas, uma pessoa que não tá com a sua saúde mental em dia é obviamente uma pessoa perigosa. Apesar desse contraponto desagradável, o filme consegue mesclar bem um suspense que procura nos evocar a pergunta “sobrenatural ou real?”, e ele pode ou não responder ao final – deixo aqui esse mistério para você descobrir.
Poirot, nas mãos de Branagh, é trabalhado de forma maravilhosa, balanceando o lado relutante do personagem em entrar nessa história com a sua incrível disciplina e curiosidade pelo desconhecido, cujo método impecável e pensamento rápido, que consegue ligar rapidamente pontos que nada parecem ter a ver um com o outro, o auxiliam na rápida resolução dos mais cabulosos mistérios. E A Noite das Bruxas traz um em que nada parece fazer sentido, ou quando faz, possui um tom de charlatanismo que não combina com os fatos.
Dessa vez, o filme traz um elenco conhecido, mas não com tanto peso quanto os anteriores (o que nada quer dizer, visto que Morte no Nilo foi fraquíssimo), o que pode até mesmo ter contribuído para uma melhor atuação nesse caso. A direção trabalha bem os ângulos e os pontos necessários para que o suspense fique sempre pairando, não confiamos em ninguém, os ambientes são lúgubres, tristes, fechados, em ângulos que evocam uma intimidade com o sofrimento de todos, ao mesmo tempo em que não deixa escapar cada rusga diferente que aparece nas feições de seus personagens.
Claro, o mistério não chega a ser, de fato, tão irresolvível, podemos logo desconfiar do que aconteceu e apontarmos quem cometeu tal ato, porém, os motivos ficam bem obscuros, como é característico das histórias da rainha do mistério, em que todas as pistas ficam na cabeça do detetive, que trata de fazer observações inteligentes e enervantes somente no momento correto, quando tem a absoluta certeza de que não vai acusar ninguém levianamente e decifrar, de vez, o segredo daquele crime.
A trilha sonora e a direção de arte de A Noite das Bruxas ajudam muito a construir o clima necessário para a narração dos fatos, preenchendo olhos e ouvidos ao longo do tempo de filme.
Apesar disso, a trama possui um problema de ritmo, e mesmo que a narrativa vá direto ao ponto, sem enrolar, sem fazer suspense desnecessário ou esticar a baladeira para além do essencial, ele se desenvolve de uma forma que pode ser considerada como entediante para algumas pessoas. Não há grandes ações, grandes espaços, diálogos marcantes, ou cenários que vão nos atacar mentalmente enquanto esperamos por algo acontecer – seja lá o que for. Tudo isso empobrece o filme, deixando-o um pouco arrastado e bastante esquecível, e talvez traga uma certa revolta aos fãs do livro que deu origem à A Noite das Bruxas, visto que a história foi completamente alterada para caber na visão – provavelmente – do diretor.
Se vale a pena ou não ver no cinema, cabe muito a você. Particularmente, assisti-lo na telona do shopping ou na telinha de casa não vai fazer diferença.