Imagem para ilustrar o texto de Sem Tempo para Morrer Imagem para ilustrar o texto de Sem Tempo para Morrer

007 – Sem Tempo Para Morrer

Sem Tempo Para Morrer é a última aventura de James Bond sendo interpretado por Daniel Craig. Após 15 anos no papel, chega ao fim a franquia que começou em 2006 com Cassino Royale e com um dos Bonds mais carismáticos e firmes no papel desde Sean Connery. Agora nas mãos do diretor Cary Joji Fukunaga (Beasts Of No Nation), vemos Bond fora do MI6 e finalmente vivendo uma vida, que poderia se dizer “normal” junto de Madeleine Swann (Léa Seydoux), quando é confrontado com os fantasmas do seu passado e o de sua companheira. James é forçado a voltar à ativa junto de seu amigo de longa data Felix Leiter (Jeffrey Wright) quando a CIA descobre um perigoso esquema envolvendo um cientista sequestrado e acaba caindo na trilha de um meticuloso plano que põe em risco milhões de vidas inocentes.

De antemão percebemos a previsibilidade da trama, porém isso não diminui a qualidade da obra, o caminho é bem trilhado na maior parte do tempo, com alguns pequenos percalços. Principalmente na construção de seu vilão e do problema que precisa ser solucionado, salvar o mundo. Mais uma vez. Contudo, a história se preocupa muito em dar um final conclusivo do arco de Bond com um pano de fundo que vem sendo construído desde o primeiro longa da franquia. O aprofundamento emocional na personalidade quase que impenetrável do agente continua presente e nesse filme, mais do que todos os outros, vemos um James bem mais fragilizado e emocionalmente permissivo. Depois de perder Vesper Lynd (Eva Green) seu grande amor, M (Judi Dench) sua mentora, entre tantos outros acontecimentos, parece uma recompensa justa o personagem ter um pouco de sossego e felicidade.

Tendo isso em parâmetro, quando a história finalmente explode, e Bond precisa agir, é notório na atuação de Craig como ele consegue entregar uma sensação de frustração misturada com “eu meio que sentia falta disso”, sensação reforçada por uma pequena cena onde James e Madeleine estão andando em direção a uma hospedagem e ele não para de olhar por cima de seu ombro como se esperasse alguém apontando um rifle para suas costas.

Dando continuidade ao padrão da série, o ponto de vista técnico continua fantástico. Fotografia que antes era assinada por Hoyte Van Hoytema, agora ficou nas mãos de Linus Sandgren que opta por vários planos mais fechados e intimistas que servem a narrativa e nos deixam bem mais próximos do protagonista, gerando uma boa sensação quando a história se conclui. Como um bom filme do 007 as cores continuam intensas e vivas, variando sempre que necessário ao passo que o clima da história muda. Cary Joji possui também firmeza em sua direção e conduz muito bem cenas de tensão, principalmente quando essas são aliadas aos diálogos. Existe sempre algo no ar nas cenas de James junto a Madeleine, onde o diretor consegue imprimir com precisão diversos sentimentos em situações diversas em que os dois personagens se encontram durante a projeção. Destaque também para uma cena de interrogatório entre Bond e Blofeld (Christopher Waltz) onde existe uma progressão muito intensa no diálogo entre os dois.

Não esquecendo também das sequências de ação onde percebemos o quanto a maioria delas é bem pensada, desde os pontos fotográficos e direção, quanto ao uso dos cenários em favor da construção das cenas. O uso de steady cam e a câmera mais tremida é variado, dependendo do momento, e se essa segunda técnica cai em desgraça na maioria dos filmes de ação, aqui ela serve como uma Walther ppk na mão de um agente britânico. Destaque para uma sequência de ação onde há um plano longo muito bem executado, onde apesar da ação frenética é possível entender tudo que está acontecendo em cena. A edição também é aliada nessa construção quando usa cortes precisos e com respiro mesmo nos momentos mais agitados, evitando aquela sensação de enjoo com quarenta cortes em 1 segundo.

Quebrando uma longa tradição de roteiros escritos apenas por homens, Phoebe Waller-Bridge traz consigo um bom respiro para Sem Tempo Para Morrer, sendo apenas a segunda mulher na história envolvida em um roteiro de 007 desde Joanna Harhwood em Dr. No (1962). A presença de Phoebe é refletida na trama e aliada a direção de Fukunaga garante diversas subversões de expectativas durante o filme. Por exemplo, quando somos introduzidos à Paloma (Ana de Armas) — que compensa seu pouco tempo de tela com carisma e presença de cena até então raros na franquia – uma agente da CIA que auxilia James em uma missão. Numa história convencional do espião britânico, haveria uma clara tensão sexual entre os dois personagens, mas isso não acontece. Na realidade, existe mais um senso de companheirismo e amizade mesmo que o protagonista ainda mostre seu lado Don Juan. O mesmo acontece com Nomi (Lashana Lynch), com uma jogada inteligente da direção para revelar a nova agente do MI6.

Ainda que todos os personagens possuam um bom tempo de tela, alguns mereciam um pouco mais de destaque. Como a própria Nomi, que apesar da personalidade marcante, ficou resumida a contrapor o protagonista e a certos momentos de humor. O elenco de apoio continua bom e carismático, destaque sempre para M (Ralph Fiennes) que dispensa qualquer elogio e Q (Ben Wishaw) que possui bons momentos pontuais de alívio cômico. Daniel Craig mais do que nunca entrega um final digno e maduro para seu personagem e por que não companheiro de quase duas décadas. Extremamente confortável na interpretação e sempre mostrando o alcance e complexidade que o agente britânico pode ter. Frágil em toda sua firmeza, ele mostra que, além do smoking e armas de alta tecnologia, existe um ser humano.

E se por um lado temos personagens interessantes de assistir em cena e ansiamos para vê-los em ação, do outro temos Rami Malek que interpreta o “grande” vilão Lyutsifer Safin. Enquanto é mantido nas sombras pela trama, a expectativa pelo seu surgimento gera uma sensação de perigo e tensão. Porém, quando finalmente vem a luz, todo esse interesse não é correspondido. Limitada à uma atuação caricata e bastante teatral, Safin não nos oferece nada de interessante depois da segunda metade de projeção, desde a sua voz rouca que ligeiramente lembra o vilão de Eddie Redmayne em O Destino de Júpiter, até sua motivação extremamente rasa e insípida. E é aqui onde vemos que um roteiro escrito por várias pessoas pode ser um problema. Depois que Safin conclui parte de seu plano, somos guiados à uma jornada bem confusa que nos faz perguntar “por quê isso está acontecendo?”. A vaidade do vilão não nos convence de certas decisões tomadas por ele durante essa história. Por sorte, o que foi feito na primeira metade do filme consegue segurar a parte mais falha do fim.

Dessa vez, quem assume a trilha sonora é Hans Zimmer que traz temas bem interessantes para o filme, não tão emblemáticos, todavia caem muito bem com as cenas de ação, drama e romance. São sempre muito evocativos e em certos momentos bem agridoces, combinando com a despedida do personagem interpretado por Craig. Destaque para música final, que é um belíssimo tema de conclusão e que soma assim na cena como um todo. Marca registrada da maioria dos filmes do 007, a canção tema dessa vez é cantada por Billie Eilish e leva o título original do longa: “No Time To Die“. Uma música melancólica e que diz muito sobre o relacionamento de Bond com Madeleine. Inclusive, o título Sem Tempo Para Morrer é bastante importante no que diz respeito de temática da projeção. O tema ‘tempo’ permeia bastante a obra, é como uma própria mensagem de como os 15 anos de Daniel como Bond foram importantes para a franquia do agente britânico.

Sem Tempo Para Morrer é a conclusão da passagem de Daniel Craig pelo manto do agente secreto mais famoso do mundo. Nos oferece uma visão bem mais humana do personagem que apanha, atira, mas também é baleado. Combinando charme e elegância ao mesmo tempo que é uma arma letal com duas pernas, tudo que Ian Fleming imaginou para a sua maior criação. É amarrada e deixa um gosto de missão cumprida, mesmo aos trancos de um vilão sem tempero algum, Sem Tempo Para Morrer, parafraseando Jack London, é um tempo bem aproveitado, e valeu muito a espera.