O Último Capítulo: algumas histórias não precisam ser contadas

Nessa série de postagens, vamos explorar alguns filmes de terror e suspense disponíveis na Netflix.

Fugir do terror pipoca de Hollywood nem sempre é uma missão fácil, afinal são os grandes estúdios que controlam o jogo. E caso eles não se interessem por sua história, resta apenas o caminho alternativo. Mas, apesar de ser sempre uma iniciativa louvável, nem todos os filmes de terror menos “pop” possuem uma qualidade elogiável. O Último Capítulo (tradução preguiçosa de I Am The Pretty Thing That Lives In The House) é um ótimo exemplo disso.

Na trama, a enfermeira Lilly (Ruth Wilson) é contratada para cuidar da famosa escritora de terror Iris Blum (Paul Prentiss), que encontra-se nos últimos momentos de vida. Mas após sua chegada, ela descobre a casa de Blum esconde alguns segredos macabros.

Apesar de todos os esforços para fugir da mesmice, O Último Capítulo cai na armadilha de sua proposta. Em filmes de terror com essa abordagem, a construção de um clima envolvente é essencial. Elementos como trilha sonora, fotografia e jogo de câmeras contribuem para alimentar a curiosidade no espectador, como algo coçando no cérebro. Mas apesar de bem executados aqui, falta alma ao longa (com o perdão da piadinha).

O desenvolvimento lento, marca registrada desse segmento, pode afastar justamente os fãs dos recentes Bruxa de Blair e Quando as Luzes se Apagam, por exemplo. Não existem jumpscares, com coisas flutuando e janelas batendo. Os elementos de terror são mais intimistas, como manchas na parede, tapetes dobrados e sons noturnos. Até mesmo os vultos são mais escondidos, sendo utilizados em momentos cruciais.

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A direção e o roteiro são de Oz Perkins, que entregou o elogiado terror February. Mas aqui, ele usa e abusa de elementos narrativos que não geram o efeito esperado. Narrações em off – dando um tom poético e filosófico para a trama, sobre criarmos nossos próprios fantasmas – e flashbacks compõem boa parte do longa, preenchendo lacunas e entregando pistas para a resolução do grande mistério.

E esse mistério é o grande trunfo de O Último Capítulo, ou deveria ser. Não é apenas pelo ritmo que o filme peca, mas também pela recompensa no final. É impossível não sentir frustração por ignorar todos os elementos defeituosos e receber um desfecho pouco criativo. Afinal, já sabemos como tudo vai terminar nas primeiras falas de Lilly. Mas o caminho até a descoberta é enfadonho.

Ter a casa como única locação foi uma escolha inteligente, já que ajuda na construção do clima. Ainda sim faltam algumas situações que poderiam transformar o local em algo claustrofóbico. Por outro lado, ela faz parte da composição filosófica do roteiro. “Eu sempre disse que uma casa onde ocorreu um assassinato nunca mais pode ser comprada ou vendida pelos vivos. Só pode ser emprestada dos fantasmas que ficam para trás. Que ficam indo e vindo, saindo e voltando de novo”, é uma das falas que mais se repetem.

Nas atuações, não existe nada excepcional. Mas o destaque fica todo para Ruth Wilson, com sua personagem fechada, cheia de medos e com um jeito de falar quase introspectivo. Claramente ela destoa da composição do cenário, nunca se encaixando naquela situação.

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O Último Capítulo foge do atual terror enlatado intragável de Hollywood, mas não consegue acompanhar a qualidade de seus companheiros de segmento. Parece mais como um fantasma perdido em uma casa. Um filme tecnicamente bonito, mas completamente esquecível. A grande prova de que nem todas as histórias precisam ser contadas.