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O Livro dos Prazeres e os desafios de adaptar Clarice Lispector

Quando resolveu adaptar o romance Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, de Clarice Lispector, a roteirista e diretora Marcela Lordy estava diante de grandes desafios de transformar/transpor a prosa da escritora para a tela, mas também da alegria de levar para o cinema um dos maiores nomes da literatura nacional. “O livro mostra que ainda é preciso criar espaços de poder para as mulheres e que este espaço começa dentro da gente; e, para o mundo de hoje, ele nos convida a puxar o freio de mão na forma como descartamos nossas relações afetivas”. Com distribuição da Vitrine Filmes, uma produção da bigBonsai e da Cinematográfica Marcela, O Livro dos Prazeres chega aos cinemas em 22 de setembro.

Simone Spoladore interpreta a protagonista, Lóri, uma professora carioca com dificuldade de estabelecer elos afetivos mais profundos, até conhecer Ulisses (Javier Drolas), um professor de filosofia argentino, com quem viverá um relacionamento intenso.

Mesmo tendo sido publicado há mais de 50 anos, Lordy reconhece a atualidade do romance, que é um dos mais adorados da bibliografia da escritora que transformou a literatura nacional. “A Clarice coloca a mulher no centro da narrativa, algo raro no país tanto na literatura quanto no cinema da época. O lugar secundário destinado às mulheres já não nos serve mais, estamos ganhando força atualmente graças a autoras que tiveram a Clarice abrindo portas. Ela é uma referência fundamental na nossa formação”.

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Algumas adaptações foram necessárias, no sentido de trazer a trama para o presente, mas a ideia foi manter o espírito da obra original intacto em O Livro dos Prazeres. “As questões abordadas por ela sobre a posição feminina dentro e fora da gente seguem mais fortes do que nunca. Portanto, não tivemos muito trabalho nesta atualização em relação ao conteúdo. Amenizamos o lado careta do Ulisses e a submissão excessiva da Lóri, que não cabiam mais nos dias de hoje. Deixamos os dois personagens mais livres em relação ao corpo e à própria sexualidade”.

Nesse sentido, Lordy, que também assina o roteiro com Josefina Trotta, explica que, para adaptar uma narrativa introspectiva foi preciso criar novas ações, inventar novas histórias. “Nos inspiramos na obra dela como um todo e na nossa própria história. Fugimos da voz em off, que seria o caminho mais óbvio e fácil, para irmos em direção à ação e aos sentidos, à construção minuciosa de uma dramaturgia cinematográfica. O texto foi outro ponto crucial. Atualizamos tudo, do vocabulário ao conteúdo, sem nos afastarmos da essência do original”.

O filme fez sua estreia na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em 2020, quando o evento aconteceu exclusivamente online, e ficou no top 3 dos mais vistos e bem votados da edição. Depois disso, o longa viajou o mundo em festivais presenciais e virtuais, recebendo diversos prêmios como no 22˚ BAFICI (Competição Americana – Prêmio de Melhor Atriz para Simone Spoladore e Menção Honrosa para o longa); 26 ̊ Festival de Cinema de Vitória (Prêmio de Melhor Roteiro, Melhor Interpretação para Simone Spoladore e Menção Honrosa para Fotografia de Mauro Pinheiro Júnior, ABC); e Festival do Rio 2021.

Estou muito feliz em exibir o filme na tela grande por aqui. A primeira vez em que exibimos ele foi de forma online na Mostra de SP, e, apesar de ser um dos filmes mais vistos do festival, esgotando em poucos dias, senti falta da troca com público. O mundo virtual não me satisfaz. Este é um filme para ser visto no cinema, um filme sensorial, no qual a narrativa vai penetrando lentamente nos poros do espectador. Ele só se completa na sala escura, com o som vindo de todos os lados e a sensação de intimidade e solidão que o cinema proporciona para o espectador”.