Sem abrir mão de suas características à lá Além da Imaginação, com um suspense soberbo ao mesmo tempo repleto de humor cínico e um grande valor de entretenimento (o que é fundamental para não cair no pedantismo de outros criadores que se acham mais inteligentes que seu público), em Não! Não Olhe! Jordan Peele fala sobre a fome por fama a todo custo, sobre o homem vs a natureza e explora possibilidades de narrativas de sobrevivência diante de um predador. Tudo isso sem repetir o discurso de antes, pois o cineasta está mais interessado em brincar com quebras de expectativas dentro de um gênero do que levantar bandeiras vazias.
Peele é um dos poucos diretores contemporâneos que soube criar uma identidade, ao mesmo tempo provocativa e inventiva, que entrega cinemão pipoca de qualidade e também sabe fazer refletir, mas nunca de maneira óbvia. É claro que dá para absorver Não! Não Olhe! de forma mais literal (e esse longa se aproxima mais de Tubarão, do Spielberg, do que de Sinais, de Shyamalan) enquanto enredo de sobrevivência em um terreno inóspito, onde alguns tentam lidar com um predador implacável. A embalagem que o diretor encontra para isso é o grande trunfo dessa produção, que tem tomadas magníficas da paisagem de faroeste e vai abraçando pouco a pouco a ficção científica, que, per se, é aberta a todas as possibilidades, inclusive as inusitadas. E nesse ponto, o protagonista monossilábico de Daniel Kaluuya é a figura ideal para lidar com o problema, pois é ele quem compreende os animais, suas linguagem e necessidades.
Mas Não! Não Olhe! também discursa sobre fama. De um lado, o personagem de Steven Yeun (o flashback com o chimpanzé, aliás, é magnífico pelo recorte tenso) que usa o trauma do passado para ganhar dinheiro no presente. Ou da estridente e carismática figura representada por Keke Palmer, que faz uso de um apagamento ancestral (ninguém sabe quem é o clássico jóquei negro) para um reparo histórico, tentando a todo custo ter um registro para a Oprah, que é mais importante do que sobreviver. Ou do diretor de fotografia, que coloca sua vida em segundo plano se puder documentar o inexplicável em sua grandeza e acaba ganhando um momento-mori. Ou, em oposição, ao do jornalista do TMZ, que quer qualquer foto ou vídeo, independente da qualidade e o mais rápido possível.
Peele brinca com essas peças de espectros distintos para ironizar o desespero por um minuto de fama. Tudo isso enquanto encanta seu público com uma ficção científica ora apavorante e angustiante (no primeiro terço), ora divertida e tensa (da metade para o final), fazendo vários filmes em um, sem jamais cair na obviedade que Hollywood tanto insiste, fornecendo sequências incríveis, como a de chuva de sangue, aquela pegadinha no estábulo, os de silêncio estranho no pasto, o da moto – que faz lindamente referência a Akira, o body horror dentro da criatura, qualquer uma com Gordy, os diálogos deliciosos, a trilha que nos puxa para dentro. Isso é arte, isso é cinema. Isso é entretenimento.
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