Laerte-se é excelente pedida de conteúdo nacional biográfico na (também menina) Netflix
Um exercício bastante divertido é acompanhar a comunicação da Netflix através das redes sociais, como Twitter. Em dado momento, uma seguidora questionou a respeito do gênero da rede de streaming, que singelamente respondeu: “sou uma menina”. Claro que identidade de gênero não é piada (caso possua teor transfóbico), assim como não é de hoje a luta em busca de respeito por parte das pessoas transexuais. Mas essa ironia abrilhanta a chegada de Laerte-se, documentário original Netflix que contempla, ao seu modo, a intimidade de Laerte Coutinho.
Dirigido por Lygia Barbosa da Silva e pela jornalista Eliane Brum, Laerte-se promove o encontro de Brum com Laerte, uma das mais conceituadas cartunistas e chargistas do Brasil. Ao longo de 120 minutos diversos temas são abordados, desde a revelação sobre se identificar como mulher até questões de caráter ainda mais íntimo.
Uma dessas questões é o aparente e declarado desconforto que Laerte tem em expor sua vida, não em relação ao que é palpável (o próprio documentário iria desmentir isso com suas cenas de nudez ou a metafórica casa em reforma), mas sim no que condiz ao seu capital intelectual: o medo de ser descoberta, de alguma maneira como uma farsa.
De alguma forma relacionado a isso também temos o embate entre a figura pública e a identidade de Laerte como ser humana, onde ela lida com situações curiosas como ser o “avô” do neto (atendendo uma demanda familiar), a visão dos seus pais em relação às suas escolhas, a manicure que não consegue se dirigir a Laerte como uma mulher e a vontade mais recente de colocar silicone, quebrando assim uma regra, que era não mexer no seu corpo para “ser mais mulher”.
São tantas camadas e considerações a serem feitas que é inevitável uma reflexão mais cautelosa. Até porque ser mulher também significa possuir liberdade, ao mesmo tempo que um simples silicone dá argumento aos que usam esse tipo de coisa como um documento para se provar melhor do que os outros. Palavras da própria Laerte.
Tecnicamente, Laerte-se faz um divertido exercício de transportar uma fração de seu trabalho (principalmente os que concernem à personagem Muriel/Hugo) para a tela, acrescentando um teco de animação. Não que fosse algo necessário para uma visita, mas contribui significativamente para tornar a experiência ainda mais marcante de assistir o documentário.
Talvez tenha faltado um pouco de lenha na fogueira, algumas polêmicas ou então mais conversa pautada nas posições políticas. Mas de qualquer forma, Laerte-se é uma ótima visita, daquelas que nos permitem chegar e abrir a porta da geladeira sem pedir.