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Fé e Fúria: quando a mistura entre religião e poder gera intolerância às religiões de matriz africana

Conhecido por seus documentários contemplativos e marcados pelo silêncio, em Fé e Fúria, o mineiro Marcos Pimentel faz um longa pautado pela urgência do tema: a intolerância às religiões de matriz africana em favelas e subúrbios do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. O longa é uma produção da Tempero Filmes, com distribuição da Embaúba Filmes, e estreia nos cinemas do país no dia 13 de outubro.

O cineasta conta que, a principio, imaginava Fé e Fúria seguindo a linha de seus documentários anteriores, como “A parte do mundo que me pertence” e “Sanã”, mas o tema deste novo filme pedia outro formato. O longa teve sua première mundial no conceituado IDFA – International Documentary Filmfestival Amsterdam, em 2019.

“Eu estava diante de gente que precisava gritar para o mundo todas as opressões que vinha sofrendo e senti que eu precisava abrir espaço para que aquelas pessoas fizessem isso. É bem difícil filmar casos de intolerância no momento em que ocorrem. O intolerante não permite ser filmado. Então, o que temos é quem sofre a intolerância relatando o que experimentou.”

Ciente de que não poderia aplicar uma linguagem que não cabia aos seus entrevistados e entrevistas – pessoas que sofrem com a intolerância –, Pimentel procurou aquilo a que chama de a linguagem mais sincera para que seus personagens se abrissem diante de sua câmera.

Essas figuras chegam, primeiramente, por meio de uma pesquisa com as vítimas desse tipo de intolerância. E chegou a casos divulgados pela mídia, como a menina Kayllane, que levou uma pedrada no meio da rua por estar vestida com trajes de candomblé, e outras pessoas cujas agressões não se tornaram notícia.

“Tivemos a preocupação de ser sempre respeitosos, mesmo quando estávamos filmando personagens que possuíam discursos opostos ao que defendíamos. O filme toma partido e condena a intolerância religiosa. Estamos do lado das religiões de matriz africana e contestamos qualquer tipo de opressão. Desde o início, fomos sinceros com os personagens, deixando claro a nossa posição e abrindo espaço para que cada um apresentasse sua visão sobre esta situação.”

Fé e Fúria aborda também a conduta dos “donos dos morros”, abrindo espaço para que traficantes evangélicos e ex-traficantes hoje convertidos discorram sobre o tema. Para abordar esses entrevistados, era preciso não apenas deixar claro o posicionamento do documentário, mas também ouvir as opiniões dessas pessoas. “Em situações assim, estávamos certos de que a confiança não pode ser quebrada, porque disso dependia a segurança e a integridade da própria equipe. Eles sentiram que podiam se abrir e toparam falar.”

No roteiro e montagem do longa, Pimentel contou com a parceria de Ivan Morales Jr, que o ajudou a, como diz o diretor, esculpir o documentário. “Filmamos uma primeira etapa e armamos um corte. Aí, voltamos a filmar em busca de outros elementos que pudessem trazer mais camadas para a história. Então, voltamos a montar até chegarmos a outro corte. E voltamos a filmar mais uma vez para registrar desdobramentos das histórias de alguns personagens.”

Realizado entre setembro de 2016 e julho de 2018, Fé e Fúria capta um Brasil em transformação, na ascensão dos evangélicos ao poder, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro. “Mesmo sem termos filmado no período eleitoral, o filme registra episódios de intolerância, massacre de minorias, reações obscuras entre religião e poder, racismo, fascismo, Bíblia e Deus utilizados para justificar atos injustificáveis, poder armado, tráfico, milícia… É como se estivesse tudo ali, pairando sobre a sociedade brasileira.”