Jogo Perigoso (Netflix) | Crítica

Sem dúvidas, 2017 é um ano bastante movimentando na vida de Stephen King. A Torre Negra e It – A Coisa ganharam vida no cinema, ainda que gerando resultados bastante diferentes. Na TV, O Nevoeiro não teve vida longa, enquanto Mr. Mercedes mostrou-se um produto de bastante qualidade. Com tantas obras mais famosas sendo adaptadas, é até normal colocar Jogo Perigoso (Gerald’s Game) em um patamar menos elevado. Mas também é um grande erro subestimar o longa original da Netflix.

Baseado na obra escrita em 1992, Jogo Perigoso não possui uma trama mirabolante: um casal, passando por problemas na relação, decide passar o fim de semana em uma cabana isolada no intuito de apimentar as coisas e recuperar o fogo do paixão. Porém, o plano acaba dando muito errado. Após algemar sua esposa na cama, Gerald sofre um ataque cardíaco e morre. É desse ponto que o longa investe em doses agoniantes de suspense e um terror psicológico refinado. Essa é a principal característica de King, partir do simples para entregar algo no mínimo doentio.

A direção precisa de Mike Flanagan (Ouija, O Espelho, Hush – A Morte Ouve) impede, na maior parte do tempo, que o filme caia em algumas armadilhas narrativas. Íntimo do terror, Mike sabe como conduzir o espectador pela situação enervante vivida pela protagonista. Ele opta pela estratégia de jogar os personagens no problema central, para depois construir suas personalidades e nuances de seus passados. Algo crucial para entreter o público com um filme de mais de 100 minutos, ambientado praticamente em um único cômodo e com dois atores centrais. O que poderia soar como falta de conteúdo, mostra-se o grande trunfo da trama.

A fotografia de Michael Fimognari, velho conhecido de Mike, também merece destaque. Sem chamar toda a atenção para si, ele opta por uma paleta de cores sutis. Isso ajuda a dar um ar natural para a passagem de tempo no quarto. Ao mesmo tempo em que acrescenta contornos assustadores para as sombras que cercam a protagonista. Uma escolha eficiente.

Carla Gugino e Bruce Greenwood em cena de Jogo Perigoso (Divulgação: Netflix).

Mas é nas atuações que Jogo Perigoso encontra sua força. Carla Gugino e Bruce Greenwood estão impecáveis. A química entre os dois torna tudo ainda mais crível, algo essencial para filmes desse gênero. Ela transita com maestria entre uma certa inocência, destacada nos momentos de calmaria, passando por medo, nervosismo, ansiedade, loucura e até mesmo cinismo. Já ele vende bem a figura de um homem charmoso, mas cercado de maldade. É gratificante acompanhar como os atores interpretam várias personalidades de seus personagens na mesma cena. A jovem Chiara Aurelia e o veterano Henry Thomas também merecem destaque, já que estrelam as cenas mais impactantes do filme.

Porém, Jogo Perigoso não consegue fugir da principal armadilha de uma adaptação: até que ponto ser fiel ao material original. Nesse caso, o final é uma leitura exata do desfecho literário da obra de Stephen King. Carregando assim todos os seus problemas. Surgem textos expositivos e explicações que afastam qualquer envolvimento mais profundo. Fica claro que isso é necessário para a mudança de status da personagem, que consegue superar de vez seus demônios, mas a execução é falha.

Apesar do deslize significativo, Jogo Perigoso conserva seu charme de adaptação eficiente de baixo orçamento. É angustiante e perverso em alguns momentos, mostrando que o medo pode ser induzido de várias formas. E provavelmente irá destruir várias fantasias sexuais por aí.