A raiva é um dos gatilhos mais poderosos do ser humano. Porém, tamanha força é completamente autodestrutiva. É impossível que ações executadas por meio da raiva não resultem em reações ainda mais problemáticas. Aprender a controlar, ou melhor, aprender a lidar com a presença incessante de tal sentimento é uma das tarefas mais árduas da vida. Três Anúncios Para Um Crime, entre suas várias abordagens, é um filme sobre isso.
Na trama, Mildred Hayes (Frances McDormand) é uma mãe que convive com a dor de ter perdido a filha de maneira brutal. Inconformada com a ineficiência da polícia local, ela aluga três outdoors numa estrada praticamente abandonada de Ebbing, Missouri. A ideia é atacar e chamar atenção para o caso de sua filha que permanece sem solução. O principal alvo é o xerife Bill Willoughby (Woody Harrelson). Desse ponto, nascem uma série de eventos que abalam completamente a rotina dos habitantes.
A direção, roteiro e produção são de Martin McDonagh (do ótimo Na Mira do Chefe). Aqui, ele mantém sua característica de construir histórias fora da caixa. Não faltam situações absurdas, momentos constrangedores, outros extremamente emocionantes, além de um humor ácido que causa risos nervosos. Mas, ainda que sua assinatura seja evidente, Martin está mais discreto. Embora não menos talentoso. Na verdade, ele compreende que a força de seu filme está no elenco. Tudo trabalha em torno deles e a recompensa é um deleite cinematográfico. Destaque também para a trilha sonora e a fotografia, que alinhadas com a paisagem do Missouri geram um efeito quase catártico.
O roteiro, apesar de simples, passa longe de ser simplório. Tudo é baseado na máxima da ação e reação. Não existe nenhum elemento em cena que seja gratuito, mesmo que sua função só seja revelada posteriormente. Isso faz com que cada personagem passe por mudanças em algum nível. Ninguém termina o longa da mesma forma que começa. Da mesma forma, a percepção do público é alterada constantemente.
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Como já foi citado, Três Anúncios Para Um Crime não teria o mesmo poder sem o talento de seu elenco. Frances McDormand é uma força da natureza, sua presença em tela é impactante, hipnotizante e capaz de alterar os rumos do filme em vários momentos. O egocentrismo, o egoísmo, a capacidade de encarar todos de frente, assim como uma certa insensibilidade mascaram seu lado castigado pela dor e pela culpa. Não é por menos que nossa percepção de sua personagem alterna entre a admiração, empatia e repulsa. São os tons de cinza que nos cercam na vida real.
Woody Harrelson também está soberbo aqui. Seu personagem é um dos alvos dos outdoors de Mildred, ao mesmo tempo em que é um dos poucos que defendem suas atitudes. Existe uma serenidade alinhada com um forte senso de dever. Mas além de carregar a culpa por não conseguir resolver o maior caso de sua carreira, ele precisa enfrentar seus próprios e gigantescos demônios. Suas ações, em determinado momento, causam uma reviravolta impactante na vida dos demais personagens. Impulsionando a trama para um outro nível. Quem completa o trio de ouro é Sam Rockwell. Marcando por seus papéis pouco convencionais, ele entrega uma atuação igualmente poderosa. Por mais que tal conceito seja desnecessário aqui, o policial Dixon é o mais próximo que temos de um vilão. Racista, misógino, violento, retrógrado e etc. Mas, como uma doce ironia da vida, é protagonista de um dos arcos mais emocionantes dos últimos anos.
Aliás, Mildred e Dixon são a síntese do que falei sobre a raiva no início desse texto. Ela abraça a raiva como uma forma de conseguir agir diante de tudo de ruim que aconteceu ao longo de sua vida. Tendo a brutal morte de sua filha como o estopim de tudo. Já Dixon percorre o caminho inverso. Somente quando abandona tal sentimento é que consegue destravar um novo rumo para sua existência.
Três Anúncios Para Um Crime não é um filme de investigação onde as respostas surgem para resolver tudo. É um longa sobre as consequências de um ato brutal, o outro lado da história que geralmente é esquecido. É violento, cruel, repleto de humor negro e portador de uma clara mensagem. A vida imita a arte, mas aqui ambas se complementam.