Já está mais do que claro que Nic Pizzolatto nunca irá conseguir repetir algo do mesmo nível da primeira temporada de True Detective. Uma obra que fez um sucesso estrondoso na grade da HBO, atraindo toda a atenção dos engravatados do canal que logo pediram pela segunda temporada o mais rápido possível. O resultado de toda essa pressa foi um material pouco inspirado em direção, roteiro e atuações. Assumindo parte da culpa nesse fracasso, a HBO decidiu dar a Nic o tempo necessário para desenvolver melhor esse terceiro ano. E o resultado, pelo menos de início, é bastante satisfatório.
Abandonando intrigas políticas e criminosas, a nova temporada de True Detective volta ao passado para resgatar os elementos que fizeram do primeiro ano um marco recente na TV. A trama não linear, a dinâmica da dupla de policiais, um crime para lá de obscuro e uma pequena cidade prestes a pegar fogo. Mantendo a tradição de contar com grandes nomes no elenco, Nic escolheu Mahershala Ali para ser o rosto desse renascimento. E não poderia ter tido uma ideia melhor. Na pele do detetive Wayne Hays, o premiado ator entrega uma postura sólida, ao mesmo tempo em que transmite todas as emoções através do olhar. Ao longo de oito episódios, acompanharemos três linhas temporais distintas: a primeira marcada por Hays e seu parceiro Roland West (Stephen Dorff) assumindo o caso nos anos 80, a segunda 10 anos após o crime e a última mostrando Hays bem mais velho e sendo obrigado a relembrar o caso que marcou sua vida.
Essa dinâmica, já utilizada na primeira temporada, torna a experiência do espectador menos cansativa e aguça a curiosidade. Nos dois episódios lançados em sequência, Nic mostra que prefere focar no desenvolvimento de seus personagens e como lidam com uma situação tão incomum. Dessa forma, as respostas são entregues em pequenas doses, contribuindo para a manutenção do mistério. Resta torcer para que toda a espera resulte numa recompensa prazerosa no final da jornada.
Além da investigação criminal, o roteiro opta por entregar um estudo das questões sociais e econômicas dos EUA nos anos 80. Pós-guerra do Vietnã, a população vivia com a sensação de insegurança e orgulho ferido, enquanto os soldados que retornavam não conseguiam se encaixar nas atividades do dia a dia. Somado a isso, o racismo ainda era uma ferida aberta. Detalhe que fica claro na forma como Hays é tratado pelos demais policiais e investigadores. Ainda não é possível prever o quanto isso irá influenciar o andamento da investigação, mas é um viés bastante interessante se for bem trabalhado. O que mostra toda a versatilidade de True Detective.
Nic também evita fazer de Hays e West meras cópias de Rust (Matthew McConaughey) e Marty (Woody Harrelson). Embora a carga de tensão entre os dois cresça ao longo dos episódios, não devemos esperar diálogos existencialistas e filosóficos. O foco aqui é entregar algo mais cru, sem espaço para muitos devaneios. Um elemento acentuado pela fotografia melancólica da região dos Ozarks onde a trama é ambientada.
Embora a ausência da direção de Cary Fukunaga seja bastante sentida, Nic Pizzolatto mostra que tem domínio sobre sua criação e que não tem nenhum problema em resgatar determinados aspectos para contar uma nova história. Mesmo que seja impossível replicar o passado, True Detective mostra que sabe muito bem caminhar pela estrada do futuro.