Depois de 4 temporadas, The Good Place termina com um final que puxa muito mais para o emocional do que para a comédia. Utilizando as questões existenciais que já eram marca registrada da série, o final misterioso nos faz refletir e entender que nada acaba e tudo se transforma. Confira nossa análise e explicações com spoilers.
O Novo Sistema
Uma das principais críticas da série The Good Place para as religiões ocidentais é o maniqueísmo de como elas tratam a vida após a morte. Por causa disso, eles mostram que o sistema de Bom Lugar e Mau Lugar clássico estava quebrado pois a Terra tinha ficado complexa demais no decorrer dos anos. Os sistemas de governo, financeiros e a psique humana são tão complexos de um jeito que tudo que nós fazemos acaba sendo um ato “ruim” no final das contas para alguém ou alguma coisa.
Outra crítica principalmente ao cristianismo é essa punição ou descanso eterno sem tempo para segundas chances por parte das pessoas. Isso também pode ser visto como uma crítica ao próprio sistema penitenciário dos Estados Unidos, como também à Pena de Morte. Esse tipo de pena é irreversível e não dá direito da pessoa mostrar que pode se tornar alguém melhor. Além disso, esse tipo de punição humana ou divina não leva em conta todas as complexidades da vida dos seres humanos para fazer com que eles sejam “pessoas ruins”
Para resolver esse problema, eles criaram um sistema de reintegração onde as pessoas teriam direito de se tornar melhores, conseguindo assim sua vaga no Bom Lugar. A lição que podemos aprender aqui é que o sistema judicial deve seguir uma lógica de reintegração do indivíduo na sociedade. Deve existir uma punição e isolamento daquela pessoa das “pessoas de bem”, mas também deve existir uma reformulação do seu caráter para que elas possam ter uma segunda chance. Além disso, a punição não deve ser eterna, pois todos nós temos chance de sermos pessoas melhores.
O Bom Lugar
Uma marca registrada da série The Good Place é como eles conseguem sempre encontrar novos conflitos para os personagens principais. No final, eles finalmente chegam no Lugar Bom e parece que tudo é perfeito. Mas a série consegue trazer um último conflito para nossos intrépidos heróis. A felicidade suprema e a falta de conflito na vida das pessoas no Bom Lugar faz com que elas percam a empolgação de estarem ali.
O principal “problema” do Bom Lugar era justamente o fator de infinito que ele possuía. Quando você tem tudo que quer pelo resto da eternidade, você não dá mais valor a nada do que tem. Tudo é possível e bom, sem fim. A solução que eles tem no final é dar uma opção de fim a tudo aquilo. Mesmo não sendo um fim inesperado como acontece como é a morte, somente a opção de ter um fim faz com que as pessoas deem mais valor às coisas boas da vida. Pois tudo aquilo pode acabar um dia. É como diz aquele ditado: “O objetivo da vida é a morte”. Nós só continuamos a viver e fazer coisas porque sabemos que isso tudo é finito e que devemos que usar bem o tempo que nos resta.
“No fim? Nada realmente chega ao fim” -Dr. Manhattan
A solução tomada pelos nossos protagonistas foi de criar uma opção de “morte” depois da morte. Um arco na floresta onde as pessoas poderiam passar e deixar de existir depois que estivessem satisfeitas. Tal como a morte na vida real, eles não sabiam o que aconteceria depois de passar por lá. E essa é a grande sacada dessa decisão final. Existe um “fim”, uma forma de acabar com tudo aquilo, mas que você não sabe o desfecho final. Seria ótimo se na vida, tivéssemos todo o tempo do mundo para realizar tudo o que a gente quer. Mas, felizmente ou infelizmente, não sabemos quando a morte vai chegar e é isso um dos principais pontos que nos fazem humanos. Nós sabemos que existe um fim, só não sabemos quando será e o que tem depois dele.
Mas o que acontece quando as pessoas passam pelo arco? A série não dá uma resposta concreta, mas sim uma linda cena que fica aberta a interpretação. No final, vemos Eleanor atravessando o portal e sua essência tocando uma pessoa que acaba fazendo uma boa ação para Michael, que agora é humano.
A interpretação que podemos ter é que nossas boas ações, nossa boa índole e nossa essência de fazer o bem pode tocar outras pessoas. O bem faz o bem e quando deixamos de existir, nossa energia acaba se espalhando e tocando as pessoas do mundo. Toda energia da natureza se transforma, nada nunca acaba e nada surge do vazio. Podemos entender que esse final está nos dizendo que gentileza gera gentileza, o bem gera o bem. Nas palavras de Chidi, a água retorna para o oceano e não sabemos exatamente o que o oceano vai fazer com ela. Mas podemos ter certeza que nossas ações tem influência no mundo à nossa volta, seja aqui ou no pós-vida.
The Good Place termina com um final bastante satisfatório que não deixa atrás todas as questões filosóficas e existenciais que trouxe desde o seu início. É um fim corajoso mas sutil, que pode nos ensinar bastante caso estejamos dispostos a nos abrir para ele.