Com três episódios já disponíveis no Amazon Prime Video, The Boys é o que há de melhor nas adaptações dos quadrinhos atualmente, fazendo uma bem montada alegoria à nossa realidade
Uma das grandes surpresas de 2019, no que diz respeito às séries, foi o lançamento de The Boys no Amazon Prime Video. Com uma violência fora do comum – e consequente classificação indicativa para maiores de 18 anos, a história trouxe o que podemos entender como uma Liga da Justiça subvertida, onde seus heróis não são exatamente o que imaginamos quando tratamos de atos que visam o bem do próximo e o zelo à segurança das instituições democráticas.
Adaptação dos quadrinhos de Garth Ennis e Darick Robertson, o enredo não é o que podemos chamar de algo genial. Essa abordagem de desconstrução dos super seres já foi amplamente explorada por clássicos como Watchmen, de Alan Moore. A própria Liga, da DC Comics, já teve sua versão malvada aqui e acolá nas HQs. No entanto, no campo do live-action, esse seriado pode ser colocado como um produto muito diferente dos demais, e não é só pela falta de oferta de programas semelhantes.
Pra quem não se lembra, a trama mostra uma realidade parecida com a nossa, com a diferença de que a sociedade precisa lidar com a existência dos super heróis. Eles estão espalhados por todo os EUA, mas os mais poderosos são conhecidos como Os Sete, assessorados pela Vought, uma corporação que cuida de tudo para que os atos de heroísmo saiam como o planejado. Aos poucos reparamos que a empresa se preocupa muito mais com a publicidade e rentabilização da coisa, escondendo os abusos de poder e qualquer contradição (e contravenção) praticada por esses que deveriam proteger o mundo.
Quem realmente dita a$ regra$ do jogo
A 2ª temporada de The Boys retorna momentos após o término da 1ª, promovendo a manutenção do que a fez ser algo interessante e digno de nossa atenção. Humor ácido, mortes chocantes, personagens asquerosos, heróis fodões… temos boa dose disso nesses três primeiros episódios.
Mas então, por que está melhor ainda, se eu disse que a série está entregando a mesma (deliciosa) receita?
A resposta passa por uma sensacional cena de diálogo entre o Capitão Pátria (Antony Starr) e Stan Edgar (Giancarlo Esposito). Nela, Stan deixa claro que quem comanda o show é a Vought, e não Os Sete. Toda a intimidação que o Capitão consegue impor em qualquer pessoa não funciona com ele, mesmo sendo um reles mortal. De um modo geral, são as ações da empresa, impulsionada pela indústria farmacêutica e uma dose cavalar de publicidade, que ditam as regras do jogo.
Esposito, eternizado pelo papel de Gus Fring em Breaking Bad, parece perfeito para o papel, mesmo que não seja algo que ofereça grandes desafios no que diz respeito a atuação. Stan possui muito de Fring se levarmos em conta toda a frieza, dissimulação e habilidade em lidar com situações caóticas.
Já nosso sórdido Superman, o Homelander, continua sendo um dos grandes destaques. Antony Starr consegue dar seu melhor aqui e o resultado é um personagem cada vez mais interessante. Antes o Capitão Pátria teve uma espécie de complexo de Édipo explorada, e agora é a vez de vermos como ele se comporta como pai. Fica o lamento pela ausência de Madelyn, personagem de Elisabeth Shue.
Para rivalizar com o maior herói de todos, temos uma nova heroína incluída na história – e que também passa a fazer parte do grupo, que é Tempesta (Stormfront no idioma original), vivida por Aya Cash. Originalmente um homem nos quadrinhos, a personagem se apresenta com um potencial de sordidez igual ou até maior do que o próprio Homelander, tendo, além dessa parte hipócrita típica dos supers da série, uma vertente nazista e piedade zero com os civis durante as missões.
Dentro do grupo The Boys, o caos interno reina como nunca. Billy Butcher, incrivelmente interpretado por Karl Urban, retorna após descobrir que sua esposa, Becca (Shantel VanSanten), está viva. Mas isso foi apenas um sadismo por parte de Homelander, que não tinha muitos motivos para deixar ele vivo ou mesmo solto por aí. De todo modo, sua relação com Hughie (Jack Quaid) e os outros continua no mesmo bate e assopra.
Paralelo a isso, temos algumas tramas menos interessantes mas que tomam bastante tempo em tela. Kimiko (Karen Fukuhara) ganha mais profundidade com a chegada do irmão, mas é um plot que se arrasta demais.
Profundo (Chace Crawford) é outro que tem ganhado muito espaço em tela, desnecessário na minha opinião. O roteiro está tentando causar um efeito igual ao de Game of Thrones com Jamie Lannister, onde passamos a simpatizar com uma figura tida inicialmente como vilã, mas não está funcionando muito aqui. O mesmo vale para o velocista A-Train (Jessie T. Usher).
Com exceção de alguns poucos defeitos, The Boys está conseguindo superar a temporada anterior, mostrando, por debaixo da camada de absurdos, uma maturidade de produção vista em poucas séries. O público agradece.