Deuses Americanos: o deleite visual de Bryan Fuller

Em poucos minutos, uma mínima fração de tempo se compararmos com o período em que o projeto ficou engavetado, Deuses Americanos mostrou que é uma das melhores estreias do ano. E que tem poder para bater de frente com várias outras séries dessa temporada. Adaptando a clássica obra de Neil Gaiman, a grande aposta do canal Starz é estranha, vibrante, sangrenta, engraçada e incrivelmente bonita. Um deleite para os olhos e para a mente.

No prólogo batizado de Coming to America, e que marcará presença nos próximos episódios, Mr. Ibis (Demore Barnes) narra como foi a chegada nada tranquila dos primeiros Vikings à América. Enfrentando chuvas de flechas, fome e todo o azar que possa acompanhar viajantes, eles oram para que Odin os guie de volta para casa. Em cenas impressionantes e recheadas de humor negro, acompanhamos a curta passagem dos desbravadores pela nova terra e como o Pai de Todos chegou ao continente desconhecido. Uma ferramente narrativa bastante inteligente para situar algumas condições cruciais para o entendimento da trama. E que carrega consigo todo o conceito da palavra adaptação.

Deuses Americanos é uma virtuosa combinação de modernidade e conservadorismo. Ao mesmo tempo que finca algumas raízes no livro de Gaiman, encontra espaço para atualizar algumas questões da história como o Technical Boy (Bruce Langley). Afinal, estamos falando de um material escrito originalmente 15 anos atrás. Um pouco de revitalização nunca é demais e serve para cativar o público mais imediatista, que espera ser conquistado por algo quase que instantaneamente.

Na trama, acompanhamos a tortuosa jornada de Shadow Moon (Ricky Whittle) que ao receber a notícia da morte da mulher, Laura (Emily Browning), é liberado mais cedo da prisão somente para cair de paraquedas no meio do combate entre dois grupos de deuses pela adoração da humanidade. E essa é apenas a ponta do iceberg.

Em pouco mais de uma hora, Bryan Fuller e Michael Green preparam o salão enquanto oferecem um tratamento de luxo para o espectador. Ainda que rostos conhecidos do livro marquem presença, o que existe é uma preocupação de construir Deuses Americanos enquanto série. Por isso a ausência de explicações imediatas é normal. O que lembra em alguns aspectos a estratégia utilizada em Legion. Assim como todo o esmero técnico.

Aliás, toda a identidade visual do episódio é cortesia da marca registrada de Bryan Fuller. Caminhando entre o sombrio de Hannibal (R.I.P) e o colorido de Pushing Daisies, Deuses Americanos não tem vergonha de ousar e chocar. O melhor exemplo é a embasbacante cena onde Bilquis (Yetide Badaki) se alimenta de um pobre coitado. Intensa e hipnotizante.

Mas o que se destaca nesse primeiro episódio, além de ser o alicerce de toda a trama, é a química entre Shadow e Mr. Wednesday (Ian McShane). Se os dois não funcionassem em tela, o resto seria um completo desastre. Sorte que o pior não ocorreu. Ricky Whittle está surpreendentemente bem, não deixando a peteca cair quando necessário. A alternância entre o sutil e o explosivo é bem feita. Mas McShane está soberbo na construção de seu personagem. O completo oposto de Moon, ele é canastrão, falante, engraçado e irritante. Além de misterioso, algo importante até que sua verdadeira identidade seja revelada.

Deuses Americanos entende a linguagem da televisão e por isso consegue imprimir sua própria marca, renegando assim o rótulo de uma mera cópia do livro. Com todos os elementos para agradar antigos e novos fãs, não é loucura afirmar que estamos diante de uma das melhores séries dos últimos anos. Só queria ver o tamanho do sorriso do Neil Gaiman nesse momento.