Watchmen é uma obra-prima dos quadrinhos. Alan Moore, Dave Gibbons e John Higgins dão um aula sobre narrativa e quadrinização. Não é a toa que a DC Comics vive tirando leite dessa vaca. Seja relançando edições especiais da obra, com adaptações para o cinema, e outras produções nos quadrinhos.
Quando uma série de Watchmen foi anunciada pela HBO, fiquei animado pois o quadrinho finalmente poderia ter um bom tratamento para desenvolver sua história. Mas quando soube que seria uma sequência, as dúvidas começaram a aparecer.
Produzida por Damon Lindelof, de Lost, The Leftovers, a série conta o que aconteceu com o mundo depois dos eventos da HQ, ignorando o filme de Zack Snyder. Ela mostra o que aconteceu com personagens antigos, apresentando dramas completamente novos.
Nada Nunca Acaba
Com o seu núcleo principal focado na cidade de Tulsa, nos EUA, a série acompanha Angela Abar (Regina King), uma detetive que participa de uma polícia mascarada, como se fossem vigilantes. A região está sob a sombra de um grupo de supremacistas brancos chamados de “A Sétima Cavalaria”, usando máscaras de Rorscharch. Não quero dar mais detalhes da história pois acredito que é muito mais divertido ir desvendando essa narrativa que vai desabrochando com paciência e sem pressa.
Falando no estilo de narrativa, a série lembra bastante The Leftovers e Lost, com seus mistérios se apresentando e se revolvendo aos poucos. Ela também fala de eventos grandes mas pelo ponto de vista das pessoas. Praticamente cada episódio possui o foco em um personagem diferente, revivendo seus traumas e acompanhando seu dia. Essa mudança faz a história se mover devagar e parecer muito confusa, mas não se preocupe, tudo vai se conectar e fazer sentido no final. Diferente de Lost, não existem mistérios sem explicação aqui.
Quem Vigia os Vigilantes?
A série conta com atuações sensacionais que reforçam ainda mais a qualidade do roteiro e direção da obra. Regina King, de Se a Rua Beale Falasse, é uma ótima protagonista. Uma personagem forte e muito baddas que, sob a ótica de King, entrega seu drama da melhor maneira possível. Também temos a ótima Jean Smart vivendo uma Laurie Blake (sim, ela pegou o sobrenome do pai) mais velha, e também mais resolvida do que a personagem escrita por Alan Moore. Por fim, temos o excepcional Jeremy Irons fazendo o velho Ozymandias. Seu núcleo parece totalmente desconectado da história mas é muito divertido assistir e tentar entender como ele vai se conectar lá no fim.
No fim, acredito que o ponto alto da série é pegar o universo da HQ e contar uma história completamente diferente, é uma atitude ousada mas que ao mesmo tempo respeita a obra original. Logo no primeiro episódio temos uma dica sobre um dos principais temas da série: racismo. Usar os vilões como racistas que usam a máscara de Rorcharch é uma ótima alfinetada no personagem que muito têm como herói. Moore escreveu Rorcharsh como um conservador, fascista e preconceituoso que usa a força para obter o que tem. Muitos caem na armadilha de enaltecer o personagem e achar ele “cool” (eu mesmo caí nessa armadilha), mas felizmente a série entendeu a mensagem (diferente do filme) e colocou Rorcharch no lugar onde merece. E só me deixa ainda mais feliz em saber que existem muitos “fãs” da hq que estão reclamando que Watchmen ficou “político” demais.
5 Minutos para Meia Noite
Existem muitos outros temas na série de Watchmen, como a questão do vigilantismo e também sobre como as pessoas lidam com traumas. Não dá para colocar tudo em um texto sem spoilers e pretendo ainda escrever mais sobre a série. Mas, apesar do roteiro ser fenomenal e ter momentos sublimes, em algumas partes talvez ele fique muito explicativo ou panfletário demais. Principalmente no final, quando os verdadeiros vilões são apresentados, temos alguns diálogos ou discursos de “vilões de seriado” (usando as palavras do próprio Moore). Mas isso não tira o brilhantismo dos outros episódios da série que conseguem contar diversas histórias em uma temporada de somente 9 episódios.
Falando sobre referências e easter eggs, em alguns momentos elas parecem forçadas demais, mas em outros são tão sutis que trazem aquele sorriso ao rosto quando as vimos. O que vale ressaltar novamente é que a obra de Moore, Gibbons e Higgins é muito respeitada durante a série, que parece realmente uma continuação direta das hqs. Diferente do filme do Snyder, os personagens aqui são representados de forma mais madura e não existe uma glorificação da violência. Como alfinetada, existe até uma série dentro da série (uma referência clara ao Conto do Cargueiro negro, uma hq dentro da hq) que mostra os heróis de forma mais brega usando maneirismos bem Snyderianos.
Como apresentei lá atrás, fica difícil falar de tudo da série aqui sem dar spoilers. Ainda nem mencionei a qualidade técnica da direção e fotografia da série, que brilha lá no episódio 6 com uma câmera que passeia pelas cenas emulando um plano sequência por quase todo o episódio. A minha dica é reler a hq antes de ver a série ou até mesmo rever o filme, levando em consideração as mudanças feitas na produção de Snyder. Watchmen da HBO é uma corajosa obra que, ao mesmo tempo, respeita o material original e também evolui aquele universo. Ela mostra o que aconteceu com os personagens clássicos e também cria novos personagens e tramas expandindo aquele universo. Recomendado demais.