Abuso sexual é um crime repulsivo que marca a vida de uma mulher para sempre. E quando alguém denuncia que foi abusada e as autoridades se negam a acreditar por não encontrarem evidências aparentes? Imagina aí o quão traumático isso pode ser para a vítima. A série Inacreditável, da Netflix, conta essa história, que se baseia em um artigo jornalístico – que depois virou livro – sobre um estupro sofrido em 2008 nos Estados Unidos pela jovem Marie Adler (Kaitlyn Dever), de 18 anos.
Na realidade, a série não é só sobre esse estupro. Ela segue a investigação de vários outros crimes de abuso sexual que coincidem no modus operandi. O que leva duas investigadoras a juntarem forças para encontrar o abusador.
Arquitetada em dois momentos, Inacreditável nos mostra todo o drama sofrido por Marie, que já vinha de uma trajetória disfuncional – tendo vivido em vários lares adotivos –, e em paralelo a caça ao estuprador movida pelas investigadoras Karen Duvall (Merritt Wever) e Grace Rasmussen (Toni Collette).
Tanto o lado das investigações, que se passam em 2011 e mostram o depoimento de outras vítimas, quanto a história de Marie são muito bem conduzidas. O episódio-piloto, todo dedicado a jovem de 18 anos, é de embrulhar o estômago, revelando o enorme despreparo de muitos profissionais do sistema criminal para lidar com crimes dessa natureza. O drama de Marie é ainda mais acentuado quando as pessoas que deveriam servir para ela como base também questionam a veracidade de seu depoimento.
Um parêntese merece ser dado para destacar a belíssima atuação de Kaitlyn Dever, que interpreta Marie. A atriz, que lembra demais a Ellie do game The Last of Us – o que nos levou a incluí-la na nossa lista de possíveis nomes para interpretar a personagem na recém-anunciada série da HBO –, dá um verdadeiro espetáculo em cena. Toda a sua dor, que ela se vê tendo que carregar sozinha, é comovente e faz com que tenhamos grande empatia pela personagem.
Mas o destaque no elenco não fica só com Dever. No núcleo das investigadoras temos duas atrizes que esbanjam talento. Merritt Wever (História de um Casamento) surge como a investigadora de voz mansa que se revolta com os “lobos” (como, segundo depoimento, o estuprador descreve pessoas como ele para uma das vítimas) e reluta a descansar enquanto não coloca atrás das grades o criminoso. A outra atriz é a já conhecida Toni Collette, de filmes como O Sexto Sentido (1999) e Hereditário (2018). Collette faz a investigadora mais durona, mas que nunca perde de vista sua humanidade e desejo por justiça. Mesmo de diferentes personalidades, as duas se completam num “bromance” que funciona muito bem pela ótima química das atrizes.
Sem nunca perder o fôlego, a série – escrita por Susannah Grant, indicada ao Oscar por Erin Brockovich (2000) – substitui o suspense incessante de outras produções investigativas por um ritmo mais lento, mas não menos envolvente. Diferente de séries mais ousadas estruturalmente como, por exemplo, Mindhunter – que também adota um ritmo lento, arriscando-se mais no desenvolvimento –, Inacreditável faz a escolha segura por uma estrutura mais didática e linear. Ainda assim, surpreende positivamente por explorar um tema extremamente relevante do jeito certo, com ótimos diálogos e um excelente paralelo entre como devem e como nunca na vida deveriam ser tratadas as vítimas de determinados covardes que infelizmente vivem entre nós.