Assistir à Cuphead — A Série pode ser uma experiência divertida, caso suas expectativas não estejam tão elevadas. Entendo o apelo de quem esperava algo voltado realmente ao público adulto, em que as referências à época e à cultura desses desenhos da década de 1930, vistas sob o olhar do espectador contemporâneo, poderiam dar uma pegada mais profunda às histórias e ao senso de humor do desenho animado. Mas, para quem, assim como eu, ri de desenhos como Bob Esponja e está precisando de uma série para assistir em uma tarde enquanto faz a unha, as aventuras de Cuphead e Mugman, ou Xicrinho e Caneco, como prefiro, podem até arrancar algumas boas risadas.
Basicamente, os enredos dos episódios narram o dia a dia dos irmãos Xicrinho e Caneco, que escapam da casinha onde vivem com o Vovô Chaleira para fazerem peripécias. Nessas desventuras, uma dinâmica se repete: Xicrinho, mais inconsequente, mete-se nos perigos sem pensar duas vezes e Caneco, mais responsável, medroso e sensível, equilibra a balança e faz com que, no final, tudo acabe bem. Os episódios são feitos para funcionarem sozinhos, mas alguns deles se conectam a uma trama iniciada lá no início, quando o protagonista que dá nome à série passa a dever sua alma ao Diabo por conta de um jogo que perdeu no parque de diversões dele.
No último capítulo da temporada, porém, esse arco, que parece ser o principal, é esquecido e substituído por uma história que não teve muito tempo para ser desenvolvida. Nesse momento, somos introduzidos à personagem Cálice e o envolvimento da dupla com ela leva a um desfecho frágil e abrupto, que ficou parecendo mais um episódio mal acabado do que um final de temporada. Mesmo as séries mais despretensiosas conseguem sopesar um fim que feche as pontas do que foi apresentado ao longo dos capítulos anteriores e, ao mesmo tempo, deixe um caminho aberto para a continuação.
Isso pode ser reflexo da tão comentada falta de preocupação dos realizadores com os roteiros do desenho. Mas, insisto que o quadro geral pode ser positivo se entrarmos no jogo, aceitando o humor escrachado e aleatório da série, que toma muito cuidado em não ofender ninguém e não parecer algo impróprio para crianças, pois é o que normalmente se espera de uma animação. Óbvio que subverter isso — fazer um desenho com estética infantil abordar sexo, drogas e qualquer coisa “não apropriada” para o público jovem — como ocorria na primeira Era de Ouro da Disney em 1930 e como tão bem fazia o jogo, poderia originar algo incrível. Porém, a Netflix resolveu investir no estilo sem arriscar tanto e, quando vemos notícias como a de um pastor que reclamou do fato de Cuphead ter o Diabo como personagem, podemos entender um pouco as razões do streaming. Além disso, a opção por incluir o maior número possível de pessoas para público-alvo contemplou as crianças que jogaram o jogo e queriam assistir à série (sim, elas existem. Conheço pessoalmente algumas).
Falando do jogo, aquilo que mais nos impressiona nele está presente no desenho animado: a animação tradicional, os personagens balançando quando estão parados, as ações exageradas, cinemas de rua, programas de rádio, o jazz que embala as histórias e tudo que compõe uma atmosfera retrô. Contudo, um aspecto que pode não ser muito agradável é a presença dos chefões, que me fizeram tremer ao relembrar a dificuldade que era passar das fases de Cuphead.
Dá para rir (ou sentir saudades do tempo em que ríamos) só da forma bem específica e aparentemente espontânea de fazer humor, por exemplo: a própria goela dos personagens gritando enquanto eles também gritam; esses personagens repetindo as ações de trás para frente e de frente para trás; ou até alminhas para objetos inanimados retornando para eles. É um show de nostalgia, não só durante os episódios, mas no próprio formato de transmissão, percebido em elementos como o filtro antigo colocado pela Netflix e os créditos de abertura, no estilo Looney Tunes ou Tom e Jerry.
Por último, mas não menos importante, tenho que falar também do show que é a dublagem de Cuphead – A Série. Antigamente, não podíamos ouvir os desenhos no idioma original, pois quem decidia isso era o canal. Assim, assistir com dublagem em português intensifica o aspecto nostálgico da série do Xicrinho. Mas, só a escolha desse nome para o protagonista, que contempla as versões de fãs e talvez seja a melhor tradução brasileira desde “Irmãos a obra”, mostra a preocupação em adaptar e tornar a experiência ainda mais divertida para os espectadores da nossa realidade. Se a história do desenho não entregou tanto, a dublagem brasileira foi nota 10 e até conseguiu elevar a nota geral da série.