Cobra Kai é fruto da nostalgia que tomou conta da indústria nos últimos anos e sempre teve consciência disso, o que é essencial para se manter relevante num ambiente tão concorrido como o mundo das séries. Além do mais, soube como encarar o desafio de agradar fãs antigos e a nova geração que nunca teve contato com a trilogia original de Karatê Kid. Porém, a fórmula mostrou um certo desgaste na última temporada. Ligando o alerta de que o cabo de guerra entre passado e presente precisava ser resolvido. Isso começa a ser feito agora.
As temporadas anteriores trabalharam com elementos dos dois primeiros filmes da trilogia, reapresentando personagens clássicos, novos rostos e remodelando o status até então tido como sagrado. É curioso que uma temporada tão importante para os rumos da franquia resgaste o plot do famigerado Karatê Kid 3 – O Confronto Final (1989), com o retorno do bizarro vilão Terry Silver (Thomas Ian Griffith). No entanto, se tem um lugar onde algo tão piegas pode funcionar é justamente em Cobra Kai. E me sinto orgulhoso em destacar o quanto o processo de construção de personagens funciona aqui. Praticamente todos os núcleos ganham um certo destaque, premiando figuras até então secundárias para a trama.
Com o torneio decisivo de karatê se aproximando, Johnny Lawrence (William Zabka) e Daniel LaRusso (Ralph Macchio) precisam unir forças contra John Kreese (Martin Kove) e seu aliado Silver. Enquanto os senseis preparam seus alunos para a luta, os jovens personagens precisam enfrentar desafios que vão além das artes marciais. O roteiro não esconde do espectador que boa parte das rixas serão resolvidas apenas no tatame, usando a maior parte da temporada para desenvolver conflitos pendentes entre os protagonistas. E mesmo com intermináveis cenas de treinamento, a trama se desenvolve de maneira mais ajustada aqui.
No núcleo dos adultos, Silver é quem melhor se aproveita da segunda chance. Apagando de vez a figura cômica de sua origem, o personagem é construído através de camadas, do homem de negócios que foge do passado até o vilão capaz de surpreender até mesmo o outrora principal antagonista da série. Lawrence e LaRusso precisam encarar outro desafio aqui: a paternidade. O sensei do Presas de Águia luta para consertar os erros cometidos com seu filho enquanto busca aprovação de seu principal discípulo. Já o sensei do Miyagi-Do encara a realidade de que sua obsessão em derrotar o Cobra Kai está afetando diretamente seus filhos. Um tema que ecoa na geração que cresceu com os filmes antigos e se encontra agora no mesmo ambiente.
Mas é no núcleo jovem que Cobra Kai encontra suas maiores qualidades. O amadurecimento dos personagens nessa quarta temporada apaga a imagem de uma eterna repetição de conflitos e ainda abre espaço para aqueles que devem brilhar nos próximos anos. É uma passagem de bastão gradual que começou na primeira temporada e se aproxima do fim aqui. Nomes como Tory (Peyton Roi), Falcão (Jacob Bertrand), Samantha (Mary Mouser) e Robby (Tyler Buchanan) ganham novos contornos, com o filho de Lawrence apresentando uma profundidade dramática nunca vista antes. Não é o ápice da escrita e muito menos das atuações, mas é extremamente eficiente dentro dessa realidade da série.
Ironicamente, essa evolução afeta o protagonista Miguel Diaz (Xolo Maridueña). Nas primeiras temporadas sua relação com o sensei Lawrence era o principal mote da série, mas isso foi mudando aos poucos. Após superar os problemas físicos da temporada passada, ele percebe que sua vida já não gira em torno do karatê. Essa parte da jornada já foi resolvida e outro caminho precisa ser trilhado. Logo, não é por acaso que sua presença fica em segundo plano.
Cobra Kai ainda possui diálogos bregas, trilha sonora composta por hits dos anos 1980 e coreografias de luta artificiais. E com tudo isso, consegue divertir e emocionar o espectador. Entregando uma maturidade inesperada, a série deixa de ser um azarão e figura entre as boas produções do vasto catálogo da Netflix.