Black Mirror s03e05 – Engenharia Reversa | REVIEW

Não é segredo que as guerras travadas através das décadas trouxeram um avanço tecnológico e científico para a sociedade. Mas assim como todas as coisas nesse mundo, um preço foi pago para essa evolução. E é assustadoramente incrível como o filme parece se repetir ano após ano. Como uma lição que ninguém quer aprender.

Engenharia Reversa, quinto episódio da terceira temporada de Black Mirror trata disso. É um exemplar do quanto a raça humana pode ser podre, dando sempre uma nova roupagem para discursos de ódio escritos em períodos terríveis da nossa história. É o primeiro episódio da série que entra no campo minado da evolução tecnológica e os conflitos armados. Mais um futuro possível que nos tira o sono. Não que o presente seja diferente.

Acompanhamos o soldado Stripe (Malachi Kirby), que após seu primeiro combate contra um inimigo efusivo, começa a ter sensações estranhas e isso afeta seu desempenho em campo. No futuro de Engenharia Reversa, o exército luta contra as baratas, inimigos que atacam aldeias atrás de comida. Mas, apesar de ter toda a tecnologia ao seu lado, essa batalha ganha novos contornos.

Existe uma tensão inicial quando os soldados começam a falar das baratas. O público fica na expectativa de um vislumbre de seu visual e que tipo de ameaça representam. E quando o encontro acontece, toda a espera é recompensada. Esse é um dos episódios mais violentos de todas as temporadas, com várias doses de brutalidade. Seja nas cenas de combate ou nos diálogos (embora alguns sejam extremamente expositivos).

Monstros com problemas no DNA que podem prejudicar o futuro da humanidade. Assim são descritas as baratas. Mas quando a trama apresenta sua reviravolta, novamente somos pegos em uma situação delicada. Existe toda uma manipulação intencional em cena, do tipo que Black Mirror sabe fazer tão bem. E aí passado e presente se misturam, mostrando que nunca aprendemos como nossos erros.

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Men Against Fire, título original, é uma referência ao livro ‘Men Against Fire: The Problem of Battle Command’ escrito em 1947 por S.L.A. Marshall, um combatente da 1ª Guerra Mundial e historiador militar na 2ª Guerra Mundial. Em sua obra, ele entrevistou mais de cem mil combatentes da 2ª Guerra e descobriu que a esmagadora maioria deles não tinha intenção de matar seus inimigos. Com essa informação em mãos, as Forças Armadas Americanas reformularam seu programa de treinamento, visando alcançar uma maior eficiência dos soldados. Mas a consciência e empatia dos seres humanos ainda eram um problema e é desse ponto que Engenharia Reversa apresenta sua grande tecnologia: A Máscara.

Essa ferramenta auxilia os soldados durante o treinamento e combate. Com informações em tempo real, plantas de prédios, conexão com drones e até um sistema de mira avançado. Tudo para garantir que o trabalho seja concluído perfeitamente. Acontece que essa é apenas uma das funções da máscara. E Stripe vai descobrindo isso ao longo do episódio.

No melhor diálogo do episódio, entre Stripe e o psicólogo Arquette (Michael Kelly, de House of Cards), vemos Arquette afirmar que a máscara auxilia os soldados na medida em que é mais fácil atirar quando o bicho-papão está do outro lado da arma. É perturbador perceber que a humanidade nunca precisou de uma tecnologia assim para taxar quem é o monstro e quem não é. Está enraizado em nossa cultura esse comportamento. E Engenharia Reversa aborda isso da maneira mais indigesta possível.

No próprio exército do futuro existem aqueles que, talvez, nem precisassem da máscara. Quem compra qualquer discurso articulado, ignorando todos os sinais de que as ações não são certas. Isso aconteceu ontem, está acontecendo hoje e não vai sumir amanhã. Não existe espaço para pensamentos nesses conflitos. E caso alguém saia da linha, existem várias outras formas de manipulação.

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A direção de Jakob Verbruggen (House of Cards) é eficiente, apesar de oscilar em alguns momentos. O roteiro novamente foi escrito por Charlie Brooker, que não consegue manter o mesmo nível de Cala a Boca e Dança e San Junipero. A crítica presente no episódio é bastante contundente e essencial, mas falta um pouco de alma. O mais assustador continua sendo a versão futurista de algo que nos cerca hoje.

Não que Engenharia Reversa seja descartável, apenas fica abaixo da média que costumamos ver em Black Mirror. Inclusive, a tecnologia da máscara lembra bastante Toda a sua história, terceiro episódio da primeira temporada. Uma tendência dessa nova leva de histórias produzidas pela Netflix.