American Crime Story | Crítica

Vivemos em uma época maravilhosa para séries, são obras feitas com tanto esmero que já ficou para trás aquele discurso que os bons atores vão para o cinema e a TV é algo de segundo escalão. Séries como Breaking Bad, True Detective e agora American Crime Story estão aqui para provar essa revolução. Esse artigo contém alguns spoilers sobre a série.

História e Personagens

American Crime Story – The People V. O J. Simpson conta a história real do julgamento do famoso jogador de futebol americano, suspeito de assassinar sua ex-esposa e o atual namorado dela. A série foca em todo o circo midiático que permeou o julgamento e as questões raciais e sociais que foram discutidas durante o mesmo.

Primeiramente gostaria de falar que achei muito corajosa a escolha de um caso tão conhecido e atual para servir de inspiração nessa primeira temporada. Fazem pouco mais de 20 anos que o caso aconteceu e quase todo mundo nos EUA sabe que no final OJ foi inocentado. Trazer um fato tão atual e conseguir gerar uma tensão e dúvida mesmo com o resultado final já conhecido é um trabalho de mestre.

É interessante também como o roteiro consegue entregar uma história onde não existem heróis ou vilões, somente pessoas com agendas diferentes, como acontece na vida real. No início da série eu tive a impressão que OJ seria o herói e Marcia Clark, a principal advogada de acusação, seria a vilã. Isso porque a série nos entrega um Cuba Gooding Jr. fantástico e super carismático como o acusado, preocupado e jogado naquela situação, aparentemente sem saber o que fazer. Já Marcia é mostrada como uma mulher forte e sisuda, uma profissional. No decorrer da série eu já estava torcendo para a acusação mesmo já tendo ideia como a história terminava.

A grande sacada de ACS é que na vida real não existiram heróis ou vilões. Na minha opinião existem dois tipos de pessoas naquela história: Primeiramente existem as vítimas, pessoas que estão naquela situação querendo fazer o seu trabalho e entender o que está acontecendo, eu coloco nesse balaio o melhor amigo de OJ, Robert Kardashian ( ironicamente uma das pessoas mais sensatas da série é um Kardashian ) e os advogados de acusação Clark e Darden. O outro tipo de personagem são as pessoas que estão se aproveitando da mídia da situação para benefício próprio, como os advogados Shapiro, Cochran, o primeiro quer somente promoção própria e o segundo deseja trazer a questão do racismo para a mesa para poder levar isso para fora dos tribunais.

A série aborda tantos elementos diferentes que é difícil falar todos aqui. Existe claramente o preconceito racial que é tratado de forma cretina por Cochran e acaba até desmerecendo um pouco o movimento. Será mesmo que OJ ainda era tratado como negro mesmo sendo um famoso que todo mundo gostava? A raça ultrapassa as classes sociais a ponto de OJ ser incriminado por um crime que ele não cometeu? O mais triste disso tudo é que todo esse circo e julgamento que durou mais de um ano só aconteceu porque o acusado era rico e famoso, um negro qualquer parado por policial e incriminado injustamente seria facilmente engolido pelo sistema.

Outro assunto abordado é o machismo que existe na profissão e na sociedade entre si. Marcia Clark passou por um inferno com todas as pessoas falando sobre sua personalidade, modo de se vestir e cabelo. Se fosse um homem no local dela com certeza seria julgado por outros assuntos, mas como era uma mulher até fotos dela pelada foram vazadas. A série a trata como heroína da história, apesar de eu não concordar muito com essa visão parcial e heroica dos fatos, é aparente que ela foi muito forte em lidar com aquilo tudo.

Direção

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Algo que salta os olhos em ACS é a direção e a fotografia. A gente tá vendo cinema da melhor qualidade aqui. Algo que deve ser notado logo de cara são as câmeras vivas que nos trazem um dinamismo nas cenas, são usados equipamentos para a câmera subir, descer, rodar entre os personagens ou segui-los para dentro e fora de salas. Essa escolha claramente foi para que algo que seria chato, como um julgamento, fosse mais dinâmico. A série se baseia muito em diálogos e se a filmagem fosse tradicional com câmeras paradas ou cortes simples, ficaria rapidamente chata.

Outro ponto legal que traz um dinamismo pop para a série é a escolha da sua trilha sonora. Em diversos momentos são usadas músicas e efeitos de câmera lenta para trazer impacto e até um certo ar cômico para os episódios. A escolha é ótima e apesar de parecer algo forçado, cabe muito bem com o clima da série, principalmente quando as músicas vem seguidas de frases de efeito. Uma cena que me tirou da cadeira foi a perseguição do Bronco pela interestadual ao som de Sabotage, foi quase que um novo clipe da música.

Os momentos de tensão e suspense também são criados de forma magistral, se as músicas ajudaram a trazer um clima mais light para as cenas, a série aposta em momentos de silêncio total ou trilha muito baixa para trazer um suspense incrível. Mais uma vez, mesmo sabendo o final da história, a gente torce e se assusta com alguns acontecimentos. Criar essa sensação quando o espectador já sabe o spoiler do final é uma jogada de mestre.

Atuações

 

Falando em tensão, muito dessa sensação é trazida pelo fantástico elenco da série. Para começar já temos nomes enormes como Cuba Gooding Jr., John Travolta, David Shwimmer e Selma Blair, só em colocar esse povo numa sala já ia sair coisa boa. Mas a estrela que brilha é Sarah Paulson, ela traz uma Marcia Clark que é forte e inquebrável no começo mas que rapidamente se torna uma mulher frágil e uma das maiores vítimas daquilo tudo. Sua expressão muda rapidamente em algumas cenas e seus olhos se enchem de lágrima em fração de segundos, é incrível o que essa mulher faz na série.

Sterling K Brown também traz um ótimo Chris Darden, um dos poucos paladinos no meio de tanta sujeira, sendo confrontado por Courtnay B Vance, trazendo um sensacional showman Cochran, um homem cheio de carisma que tem boas intenções mas com meios tortos. Outro personagem interessante foi o Robert Kardashian de Shwimmer, um personagem que está lá para nos deixar na dúvida de uma pessoa comum, que está vendo cada vez mais o seu melhor amigo se afundar na merda. Travolta está bem mas esquisito, não sei se são as plásticas ou a maquiagem, mas seu personagem parece fake e não pertencente àquele lugar.

Veredicto

Eu condeno American Crime Story como culpada de trazer uma primeira temporada sensacional, com uma história que aborda diversos temas como racismo, feminismo e mídia com uma narrativa e direção fantásticas. Os atores se entregaram e personificaram as pessoas que participaram da história real de uma forma tão visceral que é difícil não acreditar nas suas histórias e mudar de lado enquanto a série avança. Acho que o único problema que vi foi o foco em alguns momentos numa tensão sexual entre Clark e Darden, apesar de que isso faz parte das fofocas da época, acho que fugiu um pouco do assunto principal. A série usa de recursos narrativos geniais para trazer tensão a uma história onde já sabemos o final, isso é aula de como fazer cinema, ou série no caso.

PS: A segunda temporada já foi confirmada e vai ter o furacão Katrina como tema principal.