Por Gabrielle Maria
A discussão sobre os mais diversos tipos de mangás shoujo (e as adaptações dessas obras) inspiram muito os fãs da demografia a entender mais sobre ela. Muitos shoujos focam nos sentimentos e romances entre casais, outros retratam histórias de superação, amizade, traumas e até de fatalidades. Kakuriyo no Yadomeshi foi uma das histórias mais comoventes de 2019, simplesmente por abranger de maneira bem desenvolvida todas essas nuances.
Aoi Tsubaki é um personagem que se assemelha a várias protagonistas de shoujo: uma garota obstinada e compreensiva, mas que não tolera tudo passivamente. Porém, Aoi se destaca por sua força de vontade, senso de independência e a dedicação à culinária, sua grande paixão. O amor por Shiro Tsubaki, seu avô e quem a ensinou a cozinhar quando ela era criança, também é uma característica muito presente na personagem.
Apesar do passado traumático e experiências com as quais ela não conseguiu lidar, Aoi segue sua vida amena, exceto pelo fato de poder ver e interagir com youkais ou ayakashis (criaturas mitológicas japonesas), uma habilidade herdada de seu avô.
As primeiras cenas do anime nos apresentam ao Deus Ogro, Odanna, que é o responsável por um dos grandes hotéis para youkai, Tenjin-ya. De acordo com Odanna, Aoi seria a responsável por assumir uma dívida deixada pelo avô dela, que havia prometido a neta ao deus anos antes. Com essa justificativa, ele força Aoi a ir com ele para Hidden Realm, a dimensão dos Youkai, para se tornar noiva do Deus Ogro. A protagonista não se deixa convencer e promete, então, pagar a dívida ao seu modo.
Aoi vai nos guiar durante todos os momentos de descoberta e será a responsável por abrir nossos olhos dentro da trama em relação aos segredos e à profundidade dos personagens secundários.
O desenvolvimento dos personagens é gradual, sempre deixando um sentimento de que há algo a ser revelado nos minutos seguintes. Kakuriyo mostra que até os personagens aparentemente menos relevantes têm algo importante a acrescentar. A protagonista nos leva a conhecer mais profundamente suas vidas, experiências e sentimentos mais íntimos.
Ginji e Ranmaru são personagens que compartilham a mesma história marcante e completamente intrínseca à dos dois hoteis de youkais, o Tenjin-ya e o Orio-ya. Eles foram criados como irmãos pela Princesa Iso, um dos mais enigmáticos e ternos personagens, também com um dos plots mais doces.
Os personagens secundários que a animação vai introduzindo a cada episódio também são tocantes e sempre deixam uma marca importante na protagonista – cada um deles contribui positivamente para o desenvolvimento de Aoi como ser humano que, até então, vivia solitária em sua própria dimensão.
As relações de Aoi com os outros dois personagens principais são importantes e podem nos confundir, tendo como exemplo o relacionamento da protagonista com Ginji, a raposa de sete caudas. Ginji acaba sendo responsável por Aoi durante grande parte do tempo, sugerindo que Aoi possa, lentamente, estar desenvolvendo sentimentos pelo amigo. Por outro lado, as cenas com Odanna são cheias de ternura, muito marcadas pelo brilho e pela intimidade dos momentos que estamos acostumados a ver em cenas românticas. Nada disso parece sem propósito, já que como todo bom shoujo, Kakuriyo no Yadomeshi tem um triângulo amoroso, apesar de bem discreto.
Os cenários não são deixados para trás: a dimensão dos youkais conta com a aparência do Japão tradicional e os elementos nos dão a sensação de estarmos dentro das pequenas feiras, com direito a lanternas de papel, barracas de comida, youkais vestindo yukatas e fogos de artifício durante comemorações especiais. Os habitantes dessa dimensão vivem de forma simples, comercializando seus produtos em feiras e formando famílias.
Ademais, estamos diante do maior mistério da série: a infância de Aoi e quem seria o seu salvador, o “bom ayakashi”. Os flasbacks mostram o quanto a infância dela foi díficil, com o abandono da mãe, a fome e a solidão. Nesse cenário, o “bom ayakashi” surge como uma aparição reluzente, trazendo consigo um onigiri e oferecendo à protagonista. A partir daí, ela o reconhece como seu salvador, pois, sem ele, provavelmente teria morrido. O onigiri representou não só a sobrevivência física, mas também a sobrevivência psicoemocional de Aoi, que se torna grata ao youkai e busca descobrir sua verdadeira identidade.
Ougon-douji, uma pequena yokai que aparece muito despreocupadamente nos episódios do anime, parece ser uma peça importante no quebra-cabeça desse anime. Logo descobrimos que, apesar de manter uma aparência ingênua de criança, se trata de nada menos que o mais poderoso youkai, capaz de controlar mentes e causar paralisia Além disso,é a fundadora dos dois hotéis, Orio-ya e Teijin-ya.
O anime não se apressa em revelar seus grandes segredos, nos dando um desejo de segunda temporada, pois alguns personagens mostraram apenas um pouco de seu verdadeiro potencial.
Por fim, Kakuriyo no Yadomeshi é um mangá e anime shoujo que acompanha Aoi em uma aventura de fantasia, de romance e de mistério, ganha espaço no coração dos fãs por ter cenários belos e personagens extremamente cativantes (até os mais odiosos têm seu charme). Sua abordagem é agradável, a animação é boa e os clichês não atrapalham a experiência. É, de fato, uma história que merece atenção e reconhecimento dos fãs de shoujo e animes de fantasia.
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