É curioso acompanhar o processo de deterioração de Deuses Americanos ao longo de suas temporadas. O primeiro ano, comandando por Bryan Fuller e Michael Green, foi uma explosão de beleza, criatividade e modernidade. Parecia naquele momento que a próxima grande paixão das séries de TV estava nascendo. No entanto, problemas de bastidores resultaram em mudanças significativas, sentidas ao longo de toda a segunda temporada. Nem mesmo a presença de Neil Gaiman, autor do livro original, foi capaz de recolocar o programa nos trilhos. E mesmo quase dois anos depois, a série ainda busca algum tipo de recomeço.
Com o primeiro episódio lançado pela Amazon Prime Video, a terceira temporada de Deuses Americanos está diferente. E não falo apenas do visual de Shadow (Ricky Whittle). Passando por outra troca de showrunner, Charles Eglee herdou a missão de apagar a impressão negativa deixada pela última leva de episódios. Entretanto, uma nova visão resulta em uma nova perspectiva. Dessa forma, Um Conto de Inverno luta para amarrar as pontas soltas enquanto desenvolve o rumo da trama. A divisão do capítulo em núcleos distintos facilita a compreensão daqueles que já não lembravam dos eventos passados.
Porém, o roteiro acaba negando qualquer tipo de avanço mais criativo. Resoluções aparentemente rápidas são invocadas, para que, assim, os personagens possam se movimentar no tabuleiro da tão aguardada guerra entre Antigos e Novos Deuses. Laura Moon (Emily Browning) ainda busca uma forma de ressuscitar Mad Sweeney (Pablo Schreiber) e assim colocar seu plano de vingança contra Odin em prática. Não sei o quanto a última cena da dupla irá influenciar na trama, mas fica a sensação de ser uma jogada para manter um personagem querido do público em tela. O que apagaria um dos poucos momentos realmente impactantes da segunda temporada.
Do lado dos Novos Deuses, Dominique Jackson funciona muito bem como o novo avatar do Mr. World. Ela mantém o tom ameaçador e ao mesmo tempo provocante, conseguindo impor respeito através de palavras e de ações mais efusivas. Technical Boy (Bruce Langley) ganhou as melhores sacadas do episódio e sua interação com Bilquis (Yetide Badaki) adquiriu contornos mais interessantes. Aliás, a forma como os aplicativos de relacionamento são utilizados foi uma ótima ideia. Pena que Deuses Americanos não consegue manter uma regularidade criativa.
Shadow ganha mais profundidade, o que garante uma conexão maior com o público. Mesmo que suas inúmeras dúvidas ainda não tenham sido sanadas, ele parece mais consciente do ambiente no qual está inserido. Com Lakeside finalmente aparecendo na série, a tendência é que ele cresça ainda mais. Mr. Wednesday continua extremamente odiável, o que é bom. Ian McShane está cada vez mais mergulhado no personagem e vê-lo sendo cultuado em um show de heavy metal é no mínimo inusitado. Detalhe para a singela participação de Marylin Manson.
Mas a relação entre os dois, outrora um dos atrativos da série, já não parece tão orgânica. Esse segmento faz parte das resoluções apressadas, com Shadow lutando em vão contra os desejos de Odin. Apenas para prolongar a já anunciada mudança de ares do protagonista. Nem mesmo o humor ácido funciona aqui. Com poucos núcleos interessantes restantes, fica o alerta para os próximos episódios.
Claro que isso não passa da impressão deixada pelo primeiro episódio. Mesmo com o gosto amargo na boca, resta a esperança (ou no caso a fé) de que o cenário melhore ao longo da temporada. Mais do que as próprias divindades que retrata, Deuses Americanos precisa batalhar para não cair de vez no esquecimento.