Dizem por aí que a duradoura onda de adaptações de super-heróis para o cinema e TV irá colapsar em algum momento. Previsões apocalípticas do mesmo tipo que cravaram a morte dos materiais impressos em detrimento das ferramentas digitais e até mesmo do cinema pelas mãos do streaming. Seja por esse argumento ou apenas por uma vontade de inovar de alguma forma, é certo que mais pessoas parecem interessadas em tirar esses produtos de um lugar comum. WandaVision entregou isso em alguns momentos, Patrulha do Destino também. Invencível, nova série original da Amazon Prime Video, parece seguir esse caminho. As inevitáveis comparações com The Boys podem tirar um pouco do brilho da atração, mas não se engane, existe muita personalidade aqui.
A trama acompanha o adolescente Mark Grayson (Steven Yeun) e seu fardo de ser filho do maior super-herói do mundo: Nolan Grayson/Omni-Man (J.K. Simmons). Após uma longa espera para a manifestação de seus poderes, ele finalmente está pronto para começar a seguir os caminhos do pai. No entanto, não imagina o quanto sua vida irá mudar ao assumir o manto de Invencível. A premissa básica e sua construção ao decorrer dos três primeiros episódios segue a cartilha dos clichês estabelecidos do gênero. Mas longe do teor pejorativo que o termo adquiriu com o passar do tempo. Quando bem executadas, tais convenções podem render ótimos momentos.
Muito desse ar de inovação fica por conta do criador da HQ original: Robert Kirkman. Após o estrondoso sucesso de The Walking Dead, ele mostra que sabe trabalhar bem com outro gênero consagrado. Existe um equilíbrio entre sátira e homenagem, seja na silhueta dos personagens, nomes e atitudes. Longe do cinismo e pessimismo que Garth Ennis e Darick Robertson colocaram em The Boys, o tom aqui é um pouco mais fácil de ser assimilado pelo público jovem. O humor, o ambiente escolar, a diversificação étnica, tudo isso ajuda na construção de uma imagem mais amigável. Mas com espaço para questões mais profundas.
Existe um ponto interessante na história, que muitas vezes acaba sendo posto de lado em outras obras. O prazer em ser um super-herói. Claro, é importante salvar o mundo todos os dias. Porém, a sensação de liberdade e diversão que os poderes proporcionam geralmente ficam em segundo plano. Então parece mais natural que um adolescente curta um pouco desse deslumbramento, sem toda filosofia das grandes responsabilidades. Invencível funciona muito bem quando esses momentos surgem na tela.
É impossível não tocar na questão da violência gráfica. As cenas impactantes no final do primeiro episódio já estão tomando conta das redes sociais. Mas é preciso frisar que durante boa parte dos episódios o gore é inserido de maneira natural. Óbvio que existem momentos de violência gratuita, apenas pelo choque. No entanto, é possível justificar todo o sangue derramado como parte da construção desse universo. E a audiência é fisgada por esses trechos mais pesados, que surgem apenas em momentos pontuais.
Nos aspectos técnicos, Invencível também se destaca. O trabalho de dublagem é muito bem feito, contando com nomes como Sandra Oh, Gillian Jacobs, Zazie Beetz, Seth Rogen e tantos outros. A animação é bastante fluída, lembrando os traços dos desenhos da Liga da Justiça do início dos anos 2000. As cenas de luta são bem feitas e bem dirigidas, com um dinamismo que praticamente não atrapalha a experiência do espectador. A duração dos episódios chama a atenção, especialmente para uma série animada. Se bem trabalhado, esse detalhe pode beneficiar a construção da trama.
Os três primeiros episódios de Invencível deixam no ar a sensação de algo bastante divertido e com potencial para se destacar nesse concorrido cenário dos super-heróis. Se tal promessa irá se concretizar, apenas o tempo pode dizer. Porém, uma coisa é certa: a era das adaptações de personagens de quadrinhos está longe do fim.