“Prefiro morrer ao assistir 1000 episódios de um anime do pirata que estica”. Quem possui alguma vivência no mundo otaku já ouviu ou – no meu caso – já disse essa frase ao menos uma vez na vida. Por trás do tom de brincadeira, começar a assistir One Piece hoje é uma tarefa extremamente desafiadora. No momento em que escrevo esse texto, a adaptação da obra de Eiichiro Oda conta com 1073 episódios lançados e diversos longas animados. Em tempos de temporadas curtas e com uma janela maior de produção, acompanhar as aventuras de Luffy e seu bando semanalmente é uma verdadeira prova de devoção. E os fãs da obra podem se orgulhar de sua longevidade, já que animes igualmente famosos como Naruto já chegaram ao fim. Bleach retornou, mas apenas para um adeus mais digno.
Com tudo isso em mente, de onde veio a vontade de comprometer meu pouco tempo livre com “One Piece”? Confesso que estou saciando uma curiosidade acumulada ao longo dos anos e também aproveitando para surfar no hype da vindoura série live-action da Netflix. Não necessariamente nessa ordem. Sei que o anime mudou bastante de seu episódio piloto até o celebrado Gear 5 do Luffy. Mas confesso que “Eu sou Luffy! O homem que vai ser o Rei dos Piratas!” é um começo extremamente cativante e divertido para “One Piece”. Contando com um humor e leveza raramente vistos em shonens atuais, faz sentido que uma legião de jovens otakus tenham se apaixonado pela obra lá no final dos anos 1990.
Sei que 24 minutos não refletem o nível de construção de mundo que Eiichiro Oda concebeu ao longo dos anos, mas o primeiro episódio funciona como uma charmosa porta de entrada para o anime. Não custa muito para que a premissa de “One Piece” seja estabelecida, permeada por um tom aparentemente mais descompromissado. Basta ver como o protagonista é apresentado, sem nenhuma pompa. De longe, sempre achei curioso que o traço de Oda não fizesse muita questão de destacar Luffy dos demais personagens. Pelo contrário, todos são visualmente mais atrativos. Mas o espectador compra facilmente que ele é o personagem principal.
Aliás, sinto que o primeiro episódio de “One Piece” funciona justamente por causa de Luffy. Atualmente, existe um caloroso debate sobre protagonistas imaturos, tendo Goku, da franquia “Dragon Ball Z”, como um dos principais alvos. Mas para o contexto da época e necessidade de introdução, o homem de borracha é o grande trunfo da obra. Impossível não se divertir com sua sinceridade que beira a maldade, como por exemplo a maneira com que ele lida com o garoto Coby ou com a pirata Alvida. Sem contar que ele é extremamente carismático, exalando um charme magnético.
No entanto, confesso que o texto do episódio me incomodou um pouco. Animes não são conhecidos por suas sutilezas e Oda pesa a mão em diálogos extremamente expositivos. Luffy quer ser o Rei dos Piratas, Coby que entrar para a Marinha e por aí vai. Imagino como deve ter sido difícil ver Naruto e Luffy gritando seus sonhos semanalmente por anos. No entanto, gosto de como detalhes importantes como a Grand Line e as Frutas do Diabo são contextualizados.
Com o charme infantil de seu protagonista, “One Piece” começa de uma maneira efetiva. É um exercício curioso analisar o princípio da obra tendo em vista seu momento atual e o que ela representa para a cultura pop. Se a adaptação da Netflix irá funcionar, só o tempo poderá nos dizer. Sinto que acompanhar a série sem o peso de décadas de adoração pode ser algo benéfico. De todo modo, posso dizer que fiz as pazes com minha dívida do passado e estou pronto para fazer parte do bando do Chapéu de Palha.