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Boba Fett: o coadjuvante do próprio livro

Eu não sou fã de Star Wars e gosto de ressaltar isso sempre que vou avaliar qualquer produção de Star Wars. Acontece que, com a chegada do Disney+ e seu carro-chefe, The Mandalorian, eu passei a dedicar um bom tempo nesse verdadeiro passeio pelo universo de George Lucas que é a série estrelada por Pedro Pascal. Isso porque a trama, apesar de batida, foi bem executada, mostrando um seriado com diversos elementos, como o western e uma dose caprichada de fan service. Isso se estendeu até a 2ª temporada do programa, que contou com o retorno triunfal de Boba Fett, personagem um tanto vazio e pouco explorado nos primeiros filmes e que só tinha algum respeito por conta do material do universo expandido. Isso resultou no derivado O Livro de Boba Fett, que acaba de encerrar sua 1ª temporada no mesmo serviço de streaming.

A trama da série continua a partir da cena pós-créditos da 2ª temporada de The Mandalorian, quando Boba assume o posto de Daimiô (termo retirado do japonês para descrever um poderoso senhor de terras) na cidade de Mos Espa, no saudoso planeta Tatooine. Lá, ele tenta ser um governante justo e bem feitor para a população local, abandonando sua antiga atividade remunerada como caçador de recompensas. Para isso, ele precisa lidar com os entreveros criados a partir da vacância no poder desde a morte de Jabba, juntamente com o devido tratamento às famílias que comandam o crime por aquelas bandas. Não é pouco trabalho.

Ao mesmo tempo, cenas do passado a cada episódio buscam explicar como de fato o personagem vivido por Temuera Morrison (que na trilogia prequel interpretou seu pai, Jango Fett) escapou da morte, ao ser jogado em um poço Sarlacc por Han Solo. Nessas passagens, é mostrado todo o envolvimento de Boba com o Povo da Areia e como eles o ajudaram não apenas a sobreviver, mas também a ser um ser humano melhor.

O Livro de Boba Fett

Até esse ponto, o seriado estava indo bem, salvo alguns fatores irritantes no roteiro como o fato do protagonista ser muito burro, dando pouca atenção às dicas que sua principal companheira Fennec Shand (Ming-Na Wen) lhe dava quando o assunto era a boa administração do seu domínio territorial em Tatooine. Também não ajudou muito a pouca desenvoltura de Temuera Morrison no papel principal.

A partir daqui vou falar mal de Boba Fett

No entanto, O Livro de Boba Fett poderia muito bem desenvolver uma trama digna até o final da 1ª temporada, mesmo que seu desfecho não fosse dos melhores. Não que isso não tenha ocorrido, mas a forma como se chegou lá foi uma verdadeira passada de mão na bunda do (suposto) protagonista.

Primeiramente, precisamos falar do absurdo que foi o personagem principal ter sumido de dois episódios inteiros numa série de temporada tão curta, dando as caras apenas no finalzinho do segundo de modo inexpressivo. Não me entendam mal, sou um entusiasta do seriado estrelado por Pedro Pascal e realmente aproveitei seus episódios (que foram muito bons), pois, além de reaproximar o Mandaloriano de Grogu, trouxe uma muito bem executada participação de Luke Skywalker (Mark Hamill), que deixou pano para muitas outras discussões.

Eu sou fã e quero service, mas de qualidade

Mas, se a intenção disso era um fan service, é seguro dizer que a produção perdeu a mão no serviço. O que já poderia ser considerado um fan service (a tão sonhada série do Boba Fett) ganhou outro dentro dela mesma! É um “inception” de serviço ao fã agora?

Essa transgressão narrativa tinha o objetivo, portanto, de juntar uma galera no último episódio para derrotar a investida dos Pike na cidade. É um erro perdoável, visto que como nerd gostamos muito desse tipo de coisa, que deu muito certo em Vingadores: Ultimato e o contrário disso em Star Wars: A Ascensão Skywalker. Mas, criar essa expectativa e depois entregar pouco não é legal. Explico.

Já foi bastante esquisito quando Din Djarin foi até o povo da autointitulada Vila Livre, antiga Mos Pelgo, para recrutar a grande ajuda que faria toda a diferença na luta final da série, visto que, apesar de se tratar de um grupo esforçado, estavam de longe de ser reconhecidos por sua bravura. Em outras palavras: não há nesse povo um caráter combativo como podemos encontrar nos Tusken (esses sim negligenciados na sequência de acontecimentos). A aparição de Cad Bane naquelas bandas fez todo o sentido para explicar o porquê da Vila Livre ajudar Boba, no entanto. Só que o peso deles no desfecho é decepcionante pelos motivos supracitados. Talvez se Cobb Vanth (Timothy Olyphant) não estivesse gravemente ferido (a cena pós-créditos deixa bem claro que ele sobreviveu) as coisas se desenrolariam de modo mais interessante.

O bendito do High Groung

Star Wars possui um grande meme que é o diálogo final de A Vingança dos Sith entre Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi, no momento que precede o desmembramento do futuro Darth Vader. Ali, Obi-Wan fala sobre a sua vantagem por estar num terreno mais elevado na batalha. Essa é uma máxima que realmente existe, mas Din Djarin e Boba Fett pouco usaram antes da chegada do povo de Vila Livre, o que me irritou profundamente uma vez que ambos, além de serem bons atiradores, possuíam aporte tecnológico pra sobrevoarem os adversários. Isso só foi feito por um breve momento na batalha.

Se tivemos algo positivo como o Povo da Areia melhor representado como um grupo com direitos ancestrais pelo seu território, muito grande foi a negligência em não trabalhar um pouco mais isso e junto desenvolver o protagonista.  Se isso tivesse ocorrido, quem sabe não teríamos alguns Tusken ajudando na batalha final?

Como ponto alto tivemos a previsível parte em que Boba monta o seu Rancor, permitindo assim que ele destruísse os poderosos droides atiradores, rompendo o escudo de proteção através da força bruta. Em seguida, mas não menos emocionante, tivemos um pouco da demonstração dos poderes desenvolvidos por Grogu no curto tempo de treinamento com Luke, onde o pequenino botou o bichão pra dormir. Que cena!

Para encerrar, não ficou a impressão de que Boba Fett não tem quase nenhuma ligação com Mos Espa? O mais próximo que ele esteve dos habitantes da cidade foi quando recrutou uma gangue para trabalhar para ele, enquanto seu relacionamento com o prefeito foi um tanto frio, dado a conexão do governante com o dinheiro dos Pike. Por isso, quando o personagem de Temuera Morrison diz que “o povo dessa cidade precisa de mim” ou qualquer frase do tipo, não soa como algo legítimo. Faltou o desenvolvimento desse elo.

É como se, no final das contas, a Lucasfilm tenha dado o mesmo tratamento de décadas atrás ao personagem, quando Boba Fett era apenas uma figura de visual bacana e nenhuma importância efetiva. A diferença é que agora o público é muito menos bobo, e dificilmente entrará nessa onda de enaltecer um personagem mal trabalhado novamente. Ou será que vai?

O Livro de Boba Fett
Cad Bane na série da Lucasfilm

Se Cad Bane não tivesse morrido de modo tão precoce, ele poderia garantir um bom antagonismo para a segunda temporada do programa. Mas, com exceção da sua primeira aparição, botando a maior banca em Vila Livre e hospitalizando Cobb Vanth, a presença do caçador de recompensas foi mais uma decepção. Ele apareceu para expor ainda mais aspectos do passado de Boba para serem resolvidos, tendo ele envolvimento direto com isso, para ser derrotado de forma muito rápida e com clara impressão de que daria pra extrair mais boas histórias dali.

De todo modo, ressalto que curti bastante O Livro de Boba Fett e desejo que haja ainda mais temporadas do programa no Disney+. Seria melhor se respeitassem seu protagonista, porque, de resto, estamos sempre relevando falhas no roteiro.

Afinal, pode ser que eu tenha me tornado um fã de Star Wars. Culpa de The Mandalorian.

Leia a nossa crítica da primeira temporada de O Livro de Boba Fett, escrita pelo Raphael Carmo, clicando aqui.