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A Lenda do Cavaleiro Verde | Final explicado

A Lenda do Cavaleiro Verde (The Green Knight) já nasceu fadado ao sucesso, seja por sua temática profunda e complexa, repleta de simbolismos, seja por sua estética e referências às histórias conhecidas do rei Artur e seu cavaleiros. O filme foi inspirado no poema Sir Gawain e o Cavaleiro Verde, que foi escrito no século XIV, porém, ao contrário do que está na história “original”, o filme traz um protagonista que não é um cavaleiro.

Em entrevistas, o diretor admite que sentiu que deveria mudar o contexto da história para uma coisa mais “moderna”. Se Gawain começasse como no conto, o mais provável é que ficássemos sem entender sua motivação, pois são conceitos arcaicos que não cabem nos dias atuais. Então, se pensarmos no mundo em que estamos, conseguimos nos conectar mais facilmente com alguém que não atingiu o seu potencial e se sente indigno (pode entrar, síndrome do impostor).

Você pode saber mais sobre isso em outra postagem aqui do CosmoNerd, em que analisamos a sua jornada. Nesse momento, vamos focar em um momento específico: o seu fim.

Atenção: spoilers de A Lenda do Cavaleiro Verde neste final explicado!

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A Lenda do Cavaleiro Verde é desses filmes que deixam a conclusão em aberto, então, nada melhor que um final explicado

Afinal, Gawain teve a morte digna de um cavaleiro ou uma vida covarde?

De joelhos, encolhendo-se perante o Cavaleiro Verde, surge a dúvida: morrer com honra e dignidade ou continuar vivo, mas sem a virtude da honra?

Talvez a maioria das pessoas concorde que a decisão de que viver é melhor, mesmo sem honra. Afinal, o que é isso para nós nos tempos atuais, não é mesmo? Mas não estamos falando dos nossos preceitos e sim dos conceitos  arcaicos da literatura de cavalaria e da lenda arturiana, em que o ápice do homem é ser um cavaleiro virtuoso e honrado. No filme, Gawain está sempre cercado de lendas, pessoas que vivem e morrem pela espada, e  morrer em batalha é a maior honra de todas.

Sabemos que Gawain está trapaceando desde o começo ao usar a faixa que primeiro lhe foi dada pela mãe, Morgana, e, depois, pela Senhora do castelo – uma representação, também, da mãe dele. O objeto garantiria a sua integridade física, impedindo que seu trato com o Cavaleiro Verde se concretizasse.

E aqui temos a maior questão do filme: o que realmente aconteceu na Capela Verde?

O jovem se esquiva e foge. Ele se torna cavaleiro, depois rei, mas seu semblante é sempre o de uma pessoa vazia e infeliz. Todas as suas decisões são tomadas pelo desejo de manter as aparências. Engravida Essel, a prostituta que o amava, pega seu filho e paga a esta pelo seu “serviço”, em um ato de profunda crueldade – que vai de encontro com o código dos cavaleiros, mas, a essa altura, ele obviamente não se importa. Gawain sabe que é uma fraude e nunca atingiu o seu potencial para se tornar um bom rei e é odiado pelo povo. Ele vive sob a falsa proteção que sente por estar usando a faixa dada pela Senhora/Morgana.

No final, ele está sozinho em seu trono, abandonado por todos – sua mãe, esposa, filha, soldados. É nesse momento que ele sabe que, desde o começo, não havia como escapar. O seu destino chegaria cedo ou tarde, então tira a faixa e sua cabeça cai.

Assim como já aconteceu antes, a cena volta para Gawain ajoelhado perante o Cavaleiro Verde, como se o protagonista tivesse vivido tudo em sua mente – exatamente como quando ele teve que tomar a sua primeira decisão difícil, amarrado e deixado para morrer. E ele sabe. Está pronto. O jovem tira a faixa e se prepara para receber seu destino de braços abertos (metaforicamente falando). É quando Cavaleiro Verde diz que ele passou e solta a seguinte frase: “Now little knight, off with your head.”. Não há exatamente uma tradução para o português, já que possivelmente perderia toda a  ambiguidade feita de maneira proposital para que sofrêssemos com a dúvida. De certa forma, ele pode tanto estar dizendo para Gawain que saia da própria cabeça e vá viver, como pode estar afirmando que, agora que o jovem entendeu, ele pode morrer com honra.

No poema original, Gawain tem, claramente, a cabeça decepada. Mas o filme subverte isso em dúvida, transformando a história em algo totalmente novo e que tem muito a ver com viver em paz consigo, ao invés de lutar para existir sob um código impossível de ser seguido – generosidade, castidade, amizade, cortesia e devoção. Convenhamos, quem consegue viver sob essas virtudes o tempo inteiro, exceto o legendário sir Galahad? Nem o próprio Artur!

Uma parte de A Lenda do Cavaleiro Verde que serve para nos ajudar a entender melhor o final está no monólogo da Senhora. Vejamos [Tradução livre]:

“Senhora: Por que você acha que ele é verde?

Gawain: O Cavaleiro?

Senhora: Sim.

Gawain: Porque ele nasceu dessa maneira.

[…]

Senhora: Mas por que verde? Por que não azul ou vermelho?

Gawain: Porque ele não é desse mundo. (No original, ele usa a palavra “earth“)

Senhora: Mas o verde é a cor da terra (earth), das coisas vivas, da vida.

Gawain: E da podridão (No original, ele diz: “And of rot“, e rot pode também ser traduzido como a decomposição orgânica).

Senhora: Sim. Decoramos os corredores com ele e também tingimos nossos lençóis, mas se ousar vir rastejando pelas pedras, limpamos tudo o mais rápido possível. Quando floresce sob as nossas peles, nós sangramos. Quando, juntos, descobrimos que nosso alcance excedeu a nossa compreensão, nós cortamos, nós acabamos com isso, nós passamos por cima, e sufocamos com nossas barrigas, mas ele retorna. Ele não demora, não espera uma trama ou uma conspiração. Puxe-o pelas raízes hoje e amanhã, lá está, rastejando pelas beiradas. Enquanto procuramos pelo vermelho, o verde está vindo. Vermelho é a cor da luxúria, mas o verde é o que a luxúria deixa para trás, no coração, no ventre. Verde é o que fica quando o fogo se esvai, quando a paixão morre, quando morremos, também. Quando forem, suas pegadas se preencherão com grama. O musgo cobrirá a sua lápide, e quando o sol nascer, o verde estará por toda parte, em todas as suas tonalidades e matizes. Esse verde ultrapassará a tua espada, teu dinheiro, tuas muralhas e tente o quanto quiser, tudo o que ama sucumbirá a ele. Tua pele e ossos. Tua virtude.”

O que é realmente nobre e virtuoso não carrega mentiras. Até então, ele utilizava a ideia da nobreza como um escudo, como um prêmio a ser exibido e carregado. De joelhos, Gawain descobre dentro de si o que buscava e percebe a tolice ao usar a faixa verde para “proteção”. A verdadeira nobreza, na verdade, é poder viver em paz consigo. E uma boa vida leva a uma boa morte, pois a aceitação desta traz uma tranquilidade perante o fim da sua vida.

Como disse a Senhora: O musgo cobrirá a sua lápide, e quando o sol nascer, o verde estará por toda parte, em todas as suas tonalidades e matizes. Esse verde ultrapassará a tua espada, teu dinheiro, tuas muralhas e tente o quanto quiser, tudo o que ama sucumbirá a ele. Tua pele e ossos. Tua virtude.

Ou, em um âmbito cristão, já que o filme faz um paralelo entre o paganismo e o cristianismo, temos: “porque você é pó, e ao pó voltará“.

E, assim, o Cavaleiro Verde diz: Now little knight, off with your head. 

Confira aqui algumas curiosidades do longa dirigido por David Lowery.