Para aqueles que, como grande parte dos leitores brasileiros, carecem de bom material ambientado em nosso país quando tratamos de ficção, há nesse início de 2017 uma opção pra lá de interessante no mundo literário. Em Guanabara Real – A Alcova da Morte, a AVEC Editora traz às livrarias o pontapé inicial das aventuras de uma agência de detetives bastante diversificada, que ao mesmo tempo é reflexo de um Brasil que poderia ter acontecido.
Guanabara Real – A Alcova da Morte apresenta uma trama de poder e corrupção num Rio de Janeiro alternativo de 1892. Lá ocorre, além da inauguração de uma grande estátua no Corcovado, um cruel assassinato envolto de dúvidas junto com uma alcova ainda mais misteriosa. Para resolver o caso, a investigadora particular Maria Tereza Floresta, o engenheiro positivista Firmino Boaventura e o dândi místico Remy Rudá serão requisitados.
Sendo assim, sabemos logo de cara que a proposta de A Alcova da Morte é entreter misturando essas três vertentes, que são a investigação policial, a ficção científica e o horror sobrenatural. Colocar tudo no mesmo balaio não atrapalha a experiência de leitura, muito pelo contrário: os autores usam essas características organicamente na história, hora eclodindo em conflitos pelas diferenças (as divergências entre Firmino e Remy são muito interessantes) ou então delegando a cada um sua especialidade no desenrolar da trama.
O projeto trata-se de uma obra multi autoral. Os capítulos de Maria Teresa são escritos por Nikelen Witter (Territórios Invisíveis, Editora Estrondo), já os de Firmino Boaventura são de A. Z. Cordenonsi (Le Chevalier e a Exposição Universal, também da AVEC Editora), enquanto os pontos de vista de Remy Rudá são concebidos por Enéias Tavares (criador da série transmídia Brasiliana Steampunk, iniciada em A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison, Editora LeYa). Como podem observar, a bagagem de cada autor não é pouca, e a dedicação para trazer A Alcova da Morte ao mundo merece elogios, além do nosso voto de confiança ao dedicar nosso precioso tempo na leitura.
Outro grande mérito de A Alcova da Morte então é funcionar como unidade, apesar do trabalho em seis mãos. São raros os momentos onde sentimos um ponto de vista destoar do outro em relação ao ritmo da narrativa.
Talvez o personagem que mais tenha sido prejudicado nesse cenário foi Remy, não pelo uso de elementos sobrenaturais na trama, mas pelo espaço que demanda uma vertente tão grandiosa. Aparentemente, levando em conta o modo com que o livro se encerra, esse será o grande mote da sequência. Remy, alías, é uma bem vinda faceta de Enéias Tavares na trama, com seu estilo rebuscado nos diálogos, além da icônica bengala e do felino habitando sua residência.
Mas o grande atrativo do projeto, pelo menos nessa estreia da Agência de Detetives Guanabara Real, é a ambientação. Somos transportados para o Rio de Janeiro do final do século XIX de forma bastante imersiva, com o devido respeito ao vocabulário da época, onde é levado em conta todo o contexto social que os protagonistas precisam lidar. Maria Tereza é uma mulher (antigamente isso significava algo bastante diferente em comparação aos dias atuais), Firmino é negro (a Lei Áurea foi assinada pouco tempo antes, em 1888) e Remy adepto de uma liberdade sexual difícil de ser aceita até hoje pelos mais conservadores (e preconceituosos).
Aliado a isso, os elementos steampunk dão o acabamento que torna Guanabara Real – A Alcova da Morte uma experiência única. Esse lado se dá principalmente pela ótica de Firmino, que possui uma braço mecânico pra lá de maneiro (e importante em determinado momento da história), além carro-caldeira e outros equipamentos. O desfecho da história está atrelado a algo muito maior do que poderíamos imaginar no início, quando parecia que A Alcova da Morte seria apenas um caso fechado e definitivo no histórico da agência de detetives. Vai ser difícil esperar pelo próximo livro.