O gênero Metroidvania é um dos que mais ganhou fama entre os jogos indie. Para quem não está familiarizado com o termo, ele se refere a jogos em que o jogador explora um mapa de forma não linear abrindo novas barreiras à medida que vai ganhando novos itens. Unsighted, do estúdio Pixel Punk, formado por duas mulheres trans brasileiras, utiliza deste gênero e outras inspirações para entregar um dos melhores jogos do ano.
No jogo, você é Alma, uma androide que acorda sem memória em um mundo pós-apocalíptico. Nele, os robôs ganharam consciência através de algo chamado Anima, que vem de um meteoro que caiu na Terra. Mas os humanos lutaram contra os autônomos e obtiveram o controle do meteoro. Agora, com a substância Anima cada vez mais escassa, os robôs aos poucos vão perdendo a consciência e se tornando criaturas bestiais chamadas de “Unsighted”. Alma precisa correr contra o tempo para que nem ela nem seus amigos percam o que os torna vivos enquanto aprende mais sobre seu passado.
Com essa premissa, Unsighted nos apresenta sua mecânica mais inovadora e ousada. Cada personagem no jogo, incluindo você, possui um tempo de vida finito. Caso você demore demais para cumprir seus objetivos, vai ver NPCs “morrendo” para nunca mais voltar. À primeira vista, essa mecânica parece jogar contra o tipo de jogo focado em exploração que o jogo entrega. Mas existem formas de contornar isso. Ao explorar, você pode coletar pó de meteoro, que faz com que personagens que escolha ganhem mais 24 horas de vida. Esse pó serve tanto para deixar aquele NPC vivo por mais tempo, como também para gerar um sistema de relacionamento, parabenizando o jogador com itens especiais caso ele ajude um NPC muitas vezes. Além disso, o jogo oferece dicas e lembretes para você saber quem tem mais tempo de vida e quem está perto de morrer.
Esse sistema de bomba relógio, além de criar uma tensão muito boa e uma sensação de corrida contra o tempo, também te imerge dentro daquele mundo. Você tem que ficar constantemente gerenciando seu tempo para não morrer e também escolher muito bem como vai usar seus pós de meteoro. Em um certo momento, eu tive que usar 3 desses pós para um item que ia me ajudar muito e fiquei até um pouco mal por ter deixado pessoas morrerem por causa disso. As desenvolvedoras informam que essa é a forma correta de jogar e eu concordo, mas aqueles que querem uma experiência mais tranquila podem desativar o modo relógio.
Os outros trunfos de Unsighted vêm das suas referências. Além de ser um ótimo metroidvania, o jogo também consegue pegar o melhor de um zelda like e souls para criar uma experiência polida, única e divertida. O combate apresentado é desafiante, mas nunca injusto. Você sempre pode usar duas armas (geralmente uma corpo a corpo e uma à distância), a personagem pode pular para escapar de ataques e também dar um parry com a defesa. Esse parry é extremamente satisfatório e muito poderoso no combate, oferecendo sempre uma situação de alto risco e alta recompensa ao jogador. Além disso, você ainda tem que gerenciar uma stamina, decidindo quando atacar, escapar ou defender. Apesar de ficar um pouco caótico quando se tem muitos inimigos, o combate consegue ser bem tático e frenético ao mesmo tempo.
Trata-se é um jogo pequeno, mas recheado de mecânicas diferentes. Os novos itens que você ganha durante o jogo servem não só para combate, no entanto, também para te fazer se movimentar melhor pelo cenário e alcançar áreas para prosseguir na história ou explorar. O jogo ainda possui uma mecânica de amuletos através de chips e engrenagens, que oferecem ao jogador melhorias e habilidades permanentes ou temporárias. Além disso tudo, ainda existe um sistema de craft para melhorar ou criar novos itens e armas. Geralmente não sou muito fã de criação de itens em jogos e aqui não é muito diferente. Pelo menos aqui essa mecânica é bem simples e não fica no caminho da diversão.
A história de Unsighted é simples, mas possui uma boa narrativa na forma como vai desvendando alguns mistérios e mostrando flashbacks para desenvolver personagens. Por falar nestes, ao mesmo tempo que a mecânica de tempo faz você se importar, eles não possuem muitas falas ou desenvolvimento, deixando o jogador com um gostinho de quero mais. Eu queria me importar mais com eles para evitar que morressem, mas o jogo não tinha como oferecer tanto desenvolvimento assim para vários personagens. Outro ponto forte vai para a representatividade variada de personagens de diferentes gêneros, raças e outras características.
Todas essas mecânicas e história são apresentadas através de um Pixel Art excelente que mistura elementos retrô com atuais. O design de personagens é bem interessante e mais uma vez me deixou querendo saber mais sobre aquele mundo e os NPCs, principalmente os chefes (eu particularmente amei um personagem que parece um Gundam e a luta que temos com ele). Para finalizar, a música dá um toque final a isso tudo, oferecendo o clima perfeito para cada cena, principalmente naquelas envolvendo mais ação.
Unsighted é um jogo que fala sobre morte, luto, pertencimento e as relações de seres “artificiais” mais humanos do que nós. Depois de 2 anos traumatizantes que tivemos onde a morte nunca esteve tão próxima de nós e nossos familiares, um jogo que trata disso de uma forma simples e humana parece ser cruel. Mas, ao contrário, Unsighted joga na sua cara o que está em jogo, fazendo cada decisão sua ser extremamente importante. É uma das experiências mais parecidas com um Thriller que já tive em um videogame. Além disso tudo, é um jogo superpolido, com uma exploração divertida e combate satisfatório. Se você gosta de jogos metroidvania, estilo Zelda ou souls, pode ter certeza que vai adorar esse aqui.