É senso comum que filmes de animação são feitos para crianças, e é um preconceito enraizado na sociedade difícil de mudar. A Pixar, grande estúdio de animação, é conhecida por fazer filmes que agradam tanto os pequenos como os adultos. Sempre temos ali personagens fofinhos para vender bonecos ao mesmo tempo em que somos apresentados a conceitos que somente adultos vão entender. Famosa por antropomorfizar objetos e contar suas histórias, em Soul, ela se volta para dentro do ser humano para falar sobre sua alma e o que define quem você é. Confira a crítica a seguir, sem spoilers.
Soul (que significa tanto ‘alma’ em inglês como também é o nome de um gênero musical) conta a história de Joe Gardner (Jamie Foxx), um músico frustrado que trabalha como professor de música em uma escola em Nova Iorque. Após um acidente, ele vai para o além vida e vira tutor de 22 (Tina Fey), uma alma problemática que precisa encontrar seu propósito para ir para a Terra. Ao mesmo tempo, Joe também procura uma forma de voltar, pois seu corpo físico está em coma.
De início, já dou minha opinião de que Soul é o filme mais maduro da Pixar, ou seja, é o primeiro filme deles em que o público-alvo são adultos. É claro que tem coisinhas engraçadas, personagens que vão virar bonecos e momentos infantis. Mas a principal mensagem do filme, bem como vários conceitos e discussões que são colocadas, são quase impossíveis para uma criança entender. O longa fala sobre buscar seus objetivos e muitas vezes se frustrar por não conseguir completá-los. Além disso, nos faz questioná-los e refletir sobre o que nos faz realmente felizes. Esses são conceitos duros e impactantes para a maioria dos adultos, que buscam, muitas vezes, uma felicidade inalcançável imposta por eles mesmos.
Visualmente, Soul é um espetáculo. A Pixar já chegou tão no topo da qualidade visual que eu percebo que eles estão explorando novos estilos artísticos. Desde o leve gradiente e efeito neon que existe nas alminhas, passando pelos efeitos do além vida, bem no estilo 2001: Uma Odisseia no Espaço, até a sensacional representação dos seres celestiais, em um formato que lembra uma espécie de cubismo, como se fossem tão avançados que não necessitassem de uma forma corpórea como conhecemos. Outro ponto forte: a representação de pessoas negras no desenho, esbanjando suas características naturais lindamente renderizados, sem tentar diminuir seus traços negros para algo mais “branco”. A trilha sonora traz Trent Reznor com suas famosas batidas eletrônicas, mas que brilha mesmo nos segmentos de jazz e soul de Jon Batiste, coroando os momentos mais emocionantes da obra (as melhores cenas, inclusive).
Soul é um soco na nossa cara. Ele não é exatamente uma história triste ou crítica demais, mas nos mostra verdades e nos faz refletir sobre nossas ações como poucos filmes conseguem. Ele tem até algumas cenas engraçadinhas, mas é no ‘drama’, em seus momentos de seriedade, que ele nos pega. É uma história com uma moral que já foi contada várias vezes, mas faz isso de uma forma tão leve e divertida que, quando menos esperar, já está se desmanchando em choro e repensando toda sua vida. Um longa importante para um ano de pandemia onde aprendemos a conviver mais com nós mesmos e refletir sobre nossas atitudes frente a uma vida que é tão preciosa e tão frágil. Uma animação adulta que vai com certeza deixar uma marca na sua alma.