Gabriela Amaral Almeida apresenta longa de gênero e reforça caminhos para o cinema brasileiro
O Animal Cordial, longa que estreia nesta quinta-feira (09) nos cinemas nacionais, traz uma produção digna de elogios. Dirigido por Gabriela Amaral Almeida, seu primeiro longa metragem (após experiência na dramaturgia como roteirista e curtas como diretora), temos a chance de conferir um autêntico slasher, subgênero do terror envolvendo assassinos psicopatas. Junto a isso, também há espaço para irmos além e trazer outros aspectos para o debate.
Sinopse: Inácio (Murilo Benício) é o dono de um restaurante de classe média, por ele gerenciado com mão de ferro. Tal postura gera atritos com os funcionários, em especial com o cozinheiro Djair (Irandhir Santos). Quando o estabelecimento é assaltado por Magno (Humberto Carrão) e Nuno (Ariclenes Barroso), Inácio e a garçonete Sara (Luciana Paes) precisam encontrar meios para controlar a situação e lidar com os clientes que ainda estão na casa: o solitário Amadeu e o casal endinheirado Bruno (Jiddu Pinheiro) e Verônica (Camila Morgado).
A história não é complexa porque o filme não se propõe a isso. O diferencial de O Animal Cordial está em conseguir apresentar seu lado slasher de uma forma tão natural quanto possível, ou seja, seus personagens são colocados como “pessoas que você poderia encontrar no ônibus, indo para o trabalho” – palavras de Luciana Paes durante coletiva de imprensa no último dia 31 de julho. E ela tem razão.
Cada um dos elementos humanos do filme conta com nuances críveis, que dão charme muito especial para o conjunto da obra. O dono do restaurante (ambos em decadência), o cozinheiro gay (mas sem um gênero fácil de se identificar) e a garota obcecada pelo patrão (mas ainda em vias de autodescoberta) são exemplos disso. Juntos, ajudam Gabriela Amaral Almeida apresentar suas ideias para o projeto, mas sem cair na velha armadilha de enquadrar seus personagens em esteriótipos manjados. O desempenho do trio formado por Irandhir, Murilo e Luciana funciona muito bem, contribuindo para que o espectador não perca a conexão com a trama.
De tabela, O Animal Cordial consegue conversar com os tempos atuais. Esse debate passa pelo desejo de fazer justiça com as próprias mãos, relações abusivas no trabalho e até leis trabalhistas, caso o objetivo seja ir ainda mais longe na conversa. Temática que já estava presente há dois anos (quando o filme foi rodado), mas não com a intensidade dos dias de hoje.
Apenas a montagem pode causar alguma confusão, como quando ocorre um assassinato na cozinha e um outro personagem, que aparentemente estava no mesmo campo visual do ocorrido, pergunta o que aconteceu ali. Nada que atrapalhe o excelente trabalho feito com o restaurante, que serve de analogia para as separações sociais (e seus conflitos) presentes no filme e em nossas vidas.
Talvez resida nisso a fala da diretora, que defende a busca de uma cara própria para o cinema nacional, mesmo trazendo inspirações de outros cantos (como o giallo, da Itália). Pode parecer óbvio, mas isso pode ser conquistado apresentando cenários e personagens facilmente identificáveis para o público nacional sem soar genérico, ou seja, lançando mão de diálogos naturais (diferente do que temos visto por aqui) e deixando os exageros apenas para os desmembramentos da trama.
O Animal Cordial é conteúdo brasileiro da melhor qualidade, desses que você precisa assistir, discutir e ver novamente. Gabriela Amaral Almeida estreia de forma muito madura, mostrando vida e resistência não apenas do cinema de gênero feito no Brasil, mas também no mercado cinematográfico como um todo.