Em 1998, a Disney lançou um dos seus melhores e mais icônicos filmes: Mulan. A história se passa na China, na época da Disnatia Wei do Norte, que se iniciou em 386 a.C. Os vilões são os hunos, povo pintado de cruel, que quer invadir a China e tomar tudo deles. Para combater a ameaça, o Imperador recruta cada homem de cada família para fortalecer o exército e conseguir derrotar os inimigos. Para proteger o pai, Mulan se finge de homem e vai no lugar dele para o treinamento. Para quem não sabe, as mulheres eram apenas enfeites, e algo tão transgressor culminaria na sua morte, caso descoberta. Como já sabemos, ela é uma garota comum, sem nenhuma habilidade de luta, apenas um cérebro rápido, inteligente e boas características de liderança, tudo isso se desenvolvendo durante o seu treinamento para soldado – enquanto faz amizades com um trio estranho, mas muito carismático. É claro que tudo dá certo no final, e Mulan é aclamada como a salvadora da China – muito diferente da lenda que originou o filme, em que ela foi executada.
Óbvio que o filme original não é perfeito e traz até alguns estereótipos negativos, já que é tudo saído da cabeça de um branco, mas ainda é um excelente filme.
“Seu chi é forte, Mulan. Mas chi é para guerreiros, não para filhas. Logo você se tornará uma jovem mulher e será hora de silenciar essa voz, esconder seu dom, para te proteger” – Pai da Mulan para ela no live-action
No live-action, eles retiraram um fator muito importante: o fato de Mulan ser como qualquer outra garota. Aqui, ela nasceu com um Chi elevado, sendo naturalmente uma grande guerreira, mas sendo obrigada a esconder suas habilidades por ser mulher e ser proibido para ela que tenha tal poder, sendo esse tipo de pessoa chamada de bruxa e exilada ou morta. Quando Mulan se junta ao acampamento para treinar, a princípio parece tudo muito difícil pra ela, assim como para todos (um monte de coadjuvante irrelevante), só até o momento em que ela conversa com o Comandante que diz que ela deveria explorar seu dom. A partir daí, tudo fica fácil demais. A força dela é superior, suas habilidades de luta são inatas e perfeitas, ela consegue fazer manobras que ninguém mais consegue etc.
O filme tenta mostrar o lado da moeda em que uma mulher aceita ser bruxa e é extremamente poderosa, mas que, por alguma razão, se submete a um homem, com a desculpa de que com ele seria livre. Sinceramente? Coerência zero. Aliás, o vilão é extremamente caricato. Grande, bruto, porém, não tem aquela aura que ele tem na animação, de crueldade pura, de quem pode fazer o que quiser e você se borra de medo. A cena em que Mulan “derrota” os hunos com a tacada genial de fazer uma avalanche, é amenizada por um plano que ela elaborou que não faz sentido. E, ao descobrirem que ela é mulher, NÃO TEM DESCULPAS PARA A MANTEREM VIVA, já que o plot com o general Shang não existe. Eles a deixam ir simplesmente porque o roteiro quis.
Uma reclamação recorrente na trama é a falta dos personagens mais marcantes: Mushu e o Grilo. Senti falta? Senti. Mas entendi os motivos. O problema é substituírem eles por uma fênix que parece uma pipa.
A narrativa do live-action tem muitas pontas soltas, não conseguiram justificar diversas tomadas de ação, os dramas foram forçados, os personagens são esquecíveis – inclusive a própria Mulan, que, ao invés de ter aquela postura otimista e animada, sempre buscando soluções, é carrancuda e sempre pronta para provar que é “um homem”.
Ouvi algumas pessoas alegando que o filme foi mais parecido com a lenda verdadeira (não foi) e que a Disney pensou no público chinês (não pensou). Eu esbarrei em vídeos de várias garotas chinesas (com legenda, claro, eu não sei falar a língua deles), reclamando do filme, justamente porque Mulan era alguém que elas podiam olhar e pensar “Essa poderia ser eu!”, mas, agora, não tem quem se conecte com ela. Ela é poderosa desde o princípio, a história do “aceite quem você é” não cola, e não dura mais do que, sei lá, cinco minutos, as relações são rasas, as cenas de ação até que são boas e o longa apela para resquícios das músicas originais da animação.
Mas não é o suficiente.