Em 2018, a Sony Pictures lançou seu primeiro filme especialmente dedicado a um vilão no meio dessa leva de filmes de heróis, sendo ele o protagonista: Venom. Surfando na onda do sucesso massivo da franquia de Homem-Aranha – este que foi encabeçado pelo MCU, ainda bem– e que, por acordo, os direitos dele são divididos entre a Sony e Marvel Studios, Venom, apesar de um caminho criativo bastante questionável e com muita descrença, teve uma boa repercussão e fez uma boa bilheteria. O longa protagonizado por Tom Hardy abriu portas para um caminho novo na Sony, os filmes de vilões, e eis que o estúdio anuncia Morbius, mais um dos tantos vilões da galeria do cabeça de teia.
Morbius foi um dos longas que sofreu vários contratempos e adiamentos devido à pandemia do covid-19. Acredito que tenha sido um fator que gerou uma certa maior expectativa pelo filme e que, talvez, tenha atraído olhares pelo menos curiosos a respeito desse material. Não só isso, mas também a escolha do casting, que trouxe Jared Leto como protagonista – sendo seu último papel em filmes de heróis o horroso Coringa no primeiro Esquadrão Suicida da DCU. Morbius possui uma premissa bem simples, nada fora do convencional, mas que soa interessante em um primeiro momento. O doutor Michael Morbius possui um doença sanguínea degenerativa e dedica a vida a achar uma cura para sua condição, porém, em um experimento malsucedido usando o DNA de morcegos-vampiro, acaba se transformando em uma criatura descontrolada e assassina.
Existe uma agilidade narrativa e o filme não se importa em seguir com o que interessa, ele vai direto ao ponto sem muita enrolação. Os 5 primeiros minutos de projeção despertam a curiosidade sobre o que está acontecendo e vai seguindo bem, pelo menos no começo, até o primeiro diálogo superexpositivo de um personagem dando entonação em “DOUTOR Morbius“, quase que olhando em direção da câmera, para o caso de não ter ficado claro que o protagonista é um cientista. Bom, passando esses primeiros minutos de tela, tudo começa a ir por água abaixo de maneira apoteótica. Temos um corte bastante abrupto, por assim dizer, com uma transição de cena à lá Star Wars, e uma abertura circular de uma tela preta para uma panorâmica, onde somos levados a um flashback da infância de Michael – linguagem de transição que não volta a se repetir em nenhum momento do filme, vale ressaltar.
Desse momento em diante, somos apresentados a mais dois personagens, o médico Emil Nikos (Jared Harris) e Milo, que viria a se tornar um grande amigo de Morbius. É estabelecido uma relação tripla entre esses três personagens, uma de irmandande e a outra de figura paterna por parte de Nikos. Há uma sequência para entendermos a motivação e a genialidade de Morbius – que é uma cena que merece destaque, no qual o garoto conserta um aparelho médico essencial para o seu amigo com apenas a mola de uma caneta esferográfica.
Diferente de Venom que sabe o tom que segue e assume a breguisse em todos os seus aspectos, Morbius possui uma autoindulgência, ao passo que se leva a sério demais e nunca encontra uma balança no seu tom, tornando-se um efeito dominó em que todo o resto do que compõe o filme é afetado. Temos uma edição sem timing algum e parece sempre descompassada com a narrativa, e essa escassez de sinergia progride a cada minuto de projeção. Há um excesso de panorâmicas – recurso usado para situar o espectador – que se torna pleonástico, pois de cena a cena, com cortes abruptos, fica completamente previsível o que vem a seguir.
As cenas e sequências de ação são as mais prejudicadas no aspecto de se entender o que está acontecendo em tela. Existe um conceito até interessante, mas que também é levado à exaustão, que é dar velocidade à cena e usar slow motion para enfatizar algum momento chave na porradaria, quase que um quick time event usado em videogames, mas devido à cacofonia visual, esse recurso acaba se perdendo e vira parte da bagunça.
Algumas concepções são interessantes do ponto de vista visual, como o sonar, que faz com que Morbius passe a enxergar as coisas em volta dele quando usa, em que os objetos começam a emitir ondas e essas ondas reagem quando ele interage com eles. É um recurso imersivo, didático e que torna interessante um dos principais pontos do personagem, que são suas habilidades especiais. O roteiro nos entrega motivações fracas e, infelizmente, não está aliado a uma boa direção, o que influencia diretamente na atuação do elenco, como, por exemplo, Jared Harris (que é um ator fantástico) que fica em tela sem aproveitamento algum, e o mesmo acontece com Adria Arjona – que interpreta Martine Bancroft. Ela funciona apenas como interesse amoroso de Morbius, e mesmo isso não possui construção alguma, diga-se de passagem. A relação deles é estabelecida desde o começo como amizade, mas acaba se tornando previsível que iam empurrar esse interesse amoroso por que… porque sim!–, e, para falar a verdade, o mesmo acontece com o resto do elenco inteiro, com excessão de Matt Smith, que tá claramente se divertindo com esse papel. Jared Leto… Bom, ele tá sendo o Jared Leto, francamente não há muito o que falar dele aqui.
O longa é uma sucessão de eventos e reviravoltas apressadas, confusas e que fazem toda hora a gente se perguntar “o que está acontecendo? qual a razão desses dois amigos estarem lutando entre si? Hadouken de morcego? Quê?!”. Sem contar as duas cenas pós-créditos que não fazem sentido algum. O que a Sony pretende com esse universo de vilões do Homem-Aranha está bem desenhado, mas o caminho criativo e a execução são bastante questionáveis. Entretanto, o objetivo é fazer dinheiro, não é mesmo?!
Morbius acaba caindo no marasmo dos filmes de heróis e entrega pouco de um vilão B do Homem-Aranha. Embora seja até divertido em algum ponto, é um reflexo de um estúdio que tá bastante perdido no que quer.