Do início ao fim, Meu Pai é um filme inquietante, penoso, desolador, e assisti-lo é quase uma agonia. Mas este é justamente o efeito que Florian Zeller, roteirista e diretor, quis atingir. Por ser tão certeiro e realista, fica difícil acompanhar sua história: a de Anthony (Anthony Hopkins), um idoso com demência e momentos de desorientação, perdido entre suas memórias e, por isso, alienado do tempo e do espaço.
Na verdade, não só observamos o protagonista perder o reconhecimento de si e daqueles que ama. O longa é feito de tal forma, que o espectador imerge na mente do protagonista, participando da sua confusão. Portanto, foge da abordagem narrativa comum ao cinema, que, normalmente, é comparada ao discurso indireto livre da prosa. Como em outros bons dramas psicológicos, Meu Pai é contado em primeira pessoa, na visão de Anthony. Desse modo, suspeitamos sempre do que lhe é dito e de quem realmente está lhe dizendo.
Isto porque os mesmos personagens são representados por atores e atrizes diferentes. Assim, não sabemos quem é, de fato, sua filha Anne ou seu genro Paul. Além disso, a maioria das ações se concentram no mesmo apartamento, mas a simples mudança da mobília, ao longo das cenas, provoca a sensação de que Anthony não está mais na própria casa, como também que a cronologia está embaralhada. Esta impressão aumenta por conta de pequenos detalhes que se repetem, como o paradeiro do relógio que ele sempre esquece ou o fato de que sua filha está constantemente preparando o jantar, em momentos diferentes do processo.
Por ter poucos personagens e acontecer quase todo em um mesmo local, a trama denuncia que foi baseada em uma peça, assim como outros indicados ao Oscar deste ano. A versão original, também escrita por Zeller, estreou nos palcos em 2012 e foi um sucesso na época. Com êxito, graças a essas brincadeiras da montagem e da direção de arte, foi possível adaptá-la para as telas de modo mais dinâmico e cinematográfico. Ainda assim, é um filme sustentado principalmente pelos diálogos, que revelam lentamente o passado que Anthony esqueceu. Consequentemente, precisava das impecáveis atuações de Hopkins, Olivia Colman, Rufus Sewell e até daqueles que pouco aparecem, para conseguir alcançar o patamar de obra-prima.
A execução do filme nos faz ficar absorvidos desde o começo, tentando entender o que está acontecendo. Mas a técnica caminha junto com a emoção, pois o diretor se baseou na própria experiência para escrever Meu Pai. Dessa forma, soube perfeitamente transmitir a angústia de quem tem ou teve um ente querido enfrentando a perda da memória e da própria identidade.
Mesmo com pequenos momentos de lirismo, é um filme melancólico que provoca a reflexão de como a sociedade lida com seus idosos, que acabam se tornando os filhos que não escolhemos ter. É uma situação complexa e, como na vida, o longa não nos apresenta a solução que queremos. Ficamos quase uma hora e meia de filme incomodados e, por esse motivo, é necessário um certo preparo emocional para se envolver com o enredo. No meu caso, tive que parar algumas vezes para conseguir digeri-lo. Mesmo assim, a obra e todos os artistas envolvidos terão minha torcida nas premiações.