É muito difícil vermos uma criança atualmente que não reconheça o nome Pantera Negra. Graças ao filme da Marvel, o termo está mais famoso do que nunca. Mas essa fama acaba apagando a origem real do termo que era o título de um dos movimentos mais revolucionários dos Estados Unidos. Judas e o Messias Negro, dirigido por Shaka King, conta a história de lealdade e traição sobre um dos principais líderes do partido.
No longa baseado em fatos reais, acompanhamos a história de Bill O’Neil (Lakeith Stanfield), um ladrão de carros que acaba sendo contratado pelo agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons) para se infiltrar no Partido dos Panteras Negras. O objetivo principal da operação é investigar e oferecer informações sobre o presidente do partido em Chicago, o jovem Fred Hampton (Daniel Kaluuya).
Como o próprio nome do longa entrega, Judas e o Messias Negro é uma história sobre traição. Aqueles que conhecem a história do movimento negro ou pelo menos sabem como esses movimentos foram tratados pelo governo dos EUA, já podem imaginar que tipo de história está sendo contada aqui. O filme não usa meia palavras para mostrar como o FBI caçou, enganou e destruiu esses movimentos e seus líderes durante anos. Aliás, não usar de meias palavras é um dos pontos fortes do filme. O longa não tem medo de colocar frases e discursos anticapitalistas e socialistas na boca de Fred Hampton. Algo que não é comum em filmes estadunidenses, mesmo nos mais progressistas. Além disso, o filme tem uma preocupação muito clara em mostrar os Panteras Negras como um grupo assistencial, que oferecia comida, saúde e educação para um povo esquecido pelos governos. Através desse assistencialismo, o grupo tinha o objetivo de educar o povo negro para uma possível revolução. Eles possuíam armas sim, mas para se proteger dos constantes abusos da polícia e do governo.
Apesar de ter os dois principais personagens indicados a Melhor Ator Coadjuvante (o que foi bem estranho), para mim, o protagonista da obra é claramente O’Neil. Ele é nossos olhos e ouvidos que estão entrando naquela organização e aprendendo mais com ela. Aos poucos, o nosso Judas vai se afeiçoando e sendo um membro importante do partido, ao mesmo tempo que trabalha para o FBI. Juntamente com o personagem, vamos aprendendo mais e sendo totalmente influenciados pelo discurso de Hampton. Ora, mesmo que você não seja um expectador de esquerda, é quase impossível não concordar com, no mínimo, 90% do que é falado por ele nas grandes cenas de discurso do longa.
Esse respeito por Hampton vem, em grande parte, pela atuação estupenda de Daniel Kaluuya. O ator britânico entrega sua melhor performance até o momento apresentando um Fred Hampton incisivo, sério, mas também com muita compaixão e espírito revolucionário. Em certos momentos, é até estranho imaginar que ele tinha somente 21 anos na época. O ator imita perfeitamente o modo de falar e os trejeitos do revolucionário. Enquanto Kaluuya entrega uma atuação explosiva em que você sente o peso das suas responsabilidades, Lakeith traz um personagem mais contido, mostrando a tensão e a paranóia de ser um agente duplo traindo sua própria raça. Outro personagem interessante é o agente do FBI vivido por Jesse Plemons, no qual o ótimo ator representa um diabo nessa referência cristã. Mas, ao mesmo tempo, o personagem também possui camadas, mostrando até uma certa preocupação pela causa negra, mas também sendo manipulado pelos seus superiores.
A fotografia do longa, também indicada ao Oscar, apresenta uma Chicago suja e sombria, tal como a polícia que devia protegê-la. Com decisões criativas de câmera e algumas cenas que são tão bem filmadas e imersivas, a ponto de você se sentir dentro dela, para o bem ou para o mal. Existem passagens que são bem pesadas de se assistir, mostrando a realidade de como esses movimentos eram tratados na época. A trilha sonora em muitos momentos traz um jazz caótico, que transpira a tensão das cenas e faz uma referência a um estilo musical majoritariamente da população negra.
Judas e o Messias Negro é uma aula, um tapa na cara e uma reparação histórica, tudo ao mesmo tempo. Um filme extremamente necessário para o mundo atual, principalmente depois da repercussão do movimento Black Lives Matter nos EUA ano passado. É o tipo de filme que você assiste e te acende o fogo da revolução no peito, mas, ao mesmo tempo, mostra o risco que essas pessoas correm até hoje, tendo as instituições capitalistas como seus maiores inimigos. O filme tem uma certa barriga ali no meio que impacta no seu ritmo. Ele poderia ser alguns minutos mais curto sem perder nada da sua mensagem. Apesar disso, em suas principais cenas, ele vai te deixar hipnotizado, marcando com ferro quente no seu cérebro as situações e os dramas apresentados por muito tempo.