Filmes onde atores não parecem encenar, onde suas interpretações são tão realísticas que parecem com a vida, normalmente, não agradam a maioria do público. Lembro como Boyhood dividiu as conversar dos cinéfilos amigos. Eu acho um dos exercícios mais difíceis para um ator: viver algo tão real, tão possível, tão “não-ficcional” que fica quase inatingível. Por isso, Boyhood tinha meu respeito assim como História de um Casamento (disponível na Netflix), de Noah Baumbach (Frances Ha, Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe) indicado, não por acaso, ao Oscar – confira os indicados, de melhor filme e também indicado aos dois prêmios de atores principais para Adam Driver e Scarlett Johansson.
Charlie (Adam) e Nicole (Scarlett) estão vivendo o fim de um casamento. Estão tentando entrar em um acordo, para que a separação não tenha que envolver advogados. Ele diretor de teatro, ela uma atriz de sua companhia. O casal parece ser inseparável e tem um filho, Henry. Os desejos do casal não são os mesmos. Ela quer ir para Los Angeles para uma oportunidade na TV, ele prefere ficar em Nova York em sua companhia que está despontando. O problema é que Nicole resolve procurar uma advogada casca grossa e força Charlie a fazer o mesmo.
Ao contrário do que se pode imaginar, Charlie e Nicole se dão bem. Apesar de seus objetivos diferentes, eles se gostam. Não é uma separação nociva, ou pelo menos não era até a entrada dos advogados. Esse jogo de estica e puxa envolvendo negociações com advogados começa a ficar ainda mais estressante transformando Charlie e Nicole em suas piores versões, como qualquer casal comum que briga em uma separação. Eles tinham respeito um pelo outro e o perdem. O filme é na verdade a busca para esse retorno do respeito e do perdão o que não necessariamente significa reatar o romance.
Isso porque História de um Casamento não é um romance. É um drama que envolve muita tensão entre os dois atores principais, que tem toques de comédia sarcástica e uma trilha sonora que parece ter saído dos filmes de Woody Allen. Ela também foi indicada ao Oscar 2020, trabalho encabeçado por Randy Newman. A trilha não é a única pitada de Woody Allen, o cenário de Nova York e a presença de Scarlett no elenco são outras boas referências. Só que Baumbach se diferencia de Allen em um ponto importante: a verossimilhança. Woody Allen por vezes beira o sonho, o surreal. Noah faz o contrário.
O texto extremamente realista, as alterações de humor e de intensidade nas cenas de discussão entre Adam e Scarlett, a suave mudança de comportamento do filho Henry quando percebe a separação iminente nos carregam para dentro da história como se fossem nossos pais, ou talvez um marido, ou uma esposa.
O drama se intensifica e chegamos as lágrimas ao final do filme, ao final mesmo, no meu caso elas só vieram a surgir depois dos créditos finais. O filme precisa de um tempo para ser digerido. Na verdade, eles não precisavam da justiça, eles precisavam da ética que eles tinham e se perderam, sabe-se lá o porquê. Coisas de casamento que nem sempre são explicáveis. Resta a nós, espectadores, transformar a catártica experiência de Charlie e Nicole em sabedoria para os nossos relacionamentos, para que sejam as nossas melhores versões.
Curiosamente, Noah Baumbach que está em seu segundo casamento, passou pela experiência do divórcio no primeiro. Ele afirmou que o filme não é autobiográfico, mas certamente a arte imita a vida com grande perfeição capaz de levar um Oscar.