Quando o rapper Emicida lançou seu mais novo álbum AmarElo no final do ano passado, eu fiquei um pouco descontente. Em um Brasil de Bolsonaro, eu esperava um álbum mais porrada, mais crítico e revoltado. Mas o que encontrei foi um disco mais introspectivo, intimista e que enaltece as coisas simples da vida. Me levou um tempo para perceber que era exatamente isso que a gente precisava. Uma obra de arte que enaltecia o amor, a amizade e a gratidão. Em 2020, ano da pandemia e medidas negacionistas do governo, sai o documentário Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem na Netflix, que serve como um making of do álbum, mas, ao mesmo tempo, conta a história da luta e cultura negra no Brasil.
A estrutura do documentário possui 3 principais pilares. O primeiro fala sobre cada música do álbum, mostrando sua concepção, principais inspirações e cenas de bastidores. O segundo conta a história da cultura e luta negra no Brasil, principalmente falando sobre o samba e como ele foi hip hop antes do próprio existir. A terceira parte fala do show do rapper no Theatro Municipal de São Paulo, como uma forma de ocupar aquele espaço que foi tanto negado aos pobres e pretos da cidade. O documentário possui um bom ritmo, misturando sempre essas três narrativas pelos três atos da obra, sempre fazendo conexão entre os assuntos e achando belas conexões poéticas.
A parte histórica é ao mesmo tempo a mais interessante mas as vezes um pouco maçante, pois a quantidade de informação é extensa e às vezes você se perde um pouco na narrativa. Mas ela é de extrema importância para cimentar todo o resto, além de ensinar muito sobre a história dos pretos no Brasil. Emicida é humilde o suficiente para mostrar que ele é só mais um preto lutando pelo seu espaço e pelo espaço dos outros. É literalmente ele falando que se apoia no ombro de gigantes escravos, sambistas e militantes que vieram antes dele.
O making of do álbum é muito interessante, principalmente para ver as conversas de bastidores com os colaboradores como Zeca Pagodinho ou a deusa Fernanda Montenegro. Eu tenho um problema com esse tipo de documentário, pois as conversas não me parecem naturais quando as pessoas sabem que existe uma câmera ali. Apesar disso, é muito legal ver os momentos de produção com cenas emocionantes que acontecem durante os bastidores. O documentário começa, termina e apresenta no seu meio cenas do show no teatro, como uma culminância de todo esse projeto. Dá uma vontadezinha de ter estado lá ou visto mais do show, agora contextualizado com toda história que aconteceu antes e a produção do álbum.
Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem é uma experiência que nos ajuda a passar por esse ano difícil que é 2020. Saio desse documentário respeitando ainda mais o Emicida e seu último álbum. Entendendo que é importante celebrar a vida e a paz, mas sem esquecer de todo aqueles que sangraram e morreram para termos esses pequenos luxos. Em um ano de pandemia e de um governo assassino que está acabando com todas essas conquistas, é importante lembrar que “tudo que nós tem é nós”.