POIS PEGUE SÓ NA MINHA CHIBATA SIDERAL
Antes que eu comece os pontos da análise, permita-me uma reflexão pessoal que gostaria de compartilhar com vocês: minha primeira ida ao cinema.
Por muito tempo, tenho falado que meu primeiro ingresso no cinema foi assistindo o famoso Cavaleiros do Zodíaco: A Batalha de Abel. Era um garoto e ver aquela estrutura do Cineteatro São Luiz no Centro de Fortaleza era como uma porta mágica para uma grande tela maior a televisão preto & branco da minha sala e com cadeiras melhores do que a mesa da minha cozinha. Mas a magia reside mesmo quando o projeto toca a tela branca e cria a forma daqueles personagens que estamos prestes a conhecer, declarando suas emoções e histórias. Falando de nós para nós.
Mas eu estava enganado esse tempo todo.
Cine Holliudy recordou-me que dentro do meu álbum mental onde as fotografias infantis vão se amarelando pelas bordas, que não foi no majestoso Cineteatro que entrei no cinema pela primeira vez.
Quando tinha uns 7-8 anos, viajei com minha mãe para duas regiões natais onde meus tios ainda moram: Solonólope e Quixelô, municípios do interior do meu querido Ceará e estava super empolgado, já que sempre admirei as histórias de trancoso e as tradições populares onde fui criado.
Queria muito discorrer sobre o que fiz por lá, desde caçar botijas até saber de lendas que nunca ouvi falar. E como eu ralei o joelho debaixo de um pé de Juá e acabei descavando um… um dia eu conto.
Primeiro passei uma semana em Solonólope e nos dirigimos a cavalo para um distrito de Quixelô chamado Pau dos Leite. Foram horas naquela sela e quando finalmente cheguei, duvidei se um dia fecharia as pernas novamente. Uns dias por lá, com açude, enxadas (ou tentativas, já que era maior do que eu), e capturar avoantes, fomos para o centro de Quixelô, onde numa das praças – que foge a memória – concentravam-se uma ruma de pessoas, muitas delas saindo de suas casas com cadeiras. E foi ali.
Descobri só depois revisitando o interior que era Lampião, O Rei do Cangaço, filme de 1964 dirigido por Carlos Coimbra, era exibido num recuo escuro na lateral da praça, com um esticado lençol enorme servindo como tela. Cheguei perto e fiquei assistindo, e os olhos arregalados diante dos vistosos chapéus de couro com estrelas em diademas, adornado com moedas, enfeitados com anéis e protegidos com facões, rifles e rezas. Se você sente incômodo com aquele telespectador na sala do cinema comentando é porque não escutou meu tio Manuel entoando cada onomatopeia em sincronia com o filme a cada tiro disparado. Um complemento sonoro que não depara-se em nenhuma outra região que não seja meu Nordeste (leia-se com emoticon de coração, por favor.)
Suponho que a região tinha carecido de experiências de exibição cinematográficas depois do fechamento do cinema do Iguatu, cidade limítrofe e mais desenvolvida urbanamente. Um dos muitos cinemas que encerraram suas atividades no interior cearense, restringindo a experiência em tentativas nas praças ou deslocando-se para a capital.
O que quero dizer com toda essa minha história é: Cine Holliudy demonstra dentro e fora de sua história o quão resistente e voraz é o cearense tanto em produzir um filme quando em consumi-lo. Se existe um povo lutador e sonhador, é o nordestino! É cinema é isso: Sonhar e Lutar! Não importa se for para o crítico de Cannes ou meu tio “Manel”, o nosso cinema tem um diferencial de luta, persistência, curiosidade e sede por tê-lo. Sempre com muito sorriso no rosto, mesmo em momentos que não sabemos como nossos lábios se arquejam pra cima. Sei lá, só sei que foi assim.
No meu Instagram (@rod.passolargo), costumo criar uma espécie de “Cartas de Crítico” (Critic’s Card é mozovo), que consiste em numa só imagem atrelada ao cartaz, pontuar aspectos positivos e negativos.
– Alguma frase de resumo.
Obs: Nunca mensuro o filme quantitativamente, como dar uma nota como 0-10. É só uma escolha. Acho que os alguns pontos que descrevo podem e têm pesos diferentes para cada leitor da Carta. Há quem goste do arroz mais soltinho ou mais grudadinho. Feijão com ou sem caldo. Vai farofinha? Acho que assim fica mais fácil de ofertar umas misturas bacanas e deixa o leitor servir-se e/ou retirar/colocar algum ingrediente. Poxa, tá dando uma fome. Vamos para esse negócio logo que enrolei demais vocês.
Pontos Positivos [+]
– A qualidade da produção com novas parcerias (O longa tem produção da Glaz e ATC Entretenimentos em coprodução com a Globo Filmes, Paramount Pictures e Telecine, distribuição da Downtown Filmes/Paris Filmes e investimento do FSA e Funcine BRB, e TIM). Isso ajuda a movimentar a nossa indústria cearense e novos projetos;
– A inclusão de Edmilson Filho no roteiro do filme somada a continuidade da identidade do Halder Gomes + experiência eclética do Bayão causaram melhores diálogos. Alguns textos que soavam artificiais no primeiro filme agora foram minimizados e deixam as partes dialogadas mais agradáveis; Uma nítida melhora de texto foi a troca de jargões cearenses apresentados como piadas tornaram-se expressões, soando natural e tirando boas gargalhadas com muita identidade cearense;
– Halder Gomes mostra uma direção mais madura. Um controle desse “filme dentro do filme” e a interação dos personagens em cena é um ponto admirável;
– O filme continua a explorar bem a sua característica de ter coadjuvantes exagerados e caricatos, mesmo com um casting aparentemente mais reduzido que o anterior, não diminui sua qualidade; Bons diálogos são os melhores presentes na mão dos diretores para conduzir seu casting. A atuação sobe mais o nível dos anteriores. Edmilson Filho e seu núcleo com a Sophia Abrahão e Ariclenes Barroso conduzem o fio da história.
– Os poucos efeitos visuais são aproveitados de maneira singela e os recursos de fotografia, iluminação e cenografia ajudam nesse ponto.
– Uma característica do roteiro é a exposição de temas e referências sem o exagero da forma, fugindo do panfletarismo. Encontramos críticas a desvalorização da cultura, do pensamento crítico, o ódio aos artistas e até uma citação ao famoso PowerPoint do procurador Dallagnol contra Lula que rendeu bons memes. Tudo de maneira sutil.
Sem contar as referências a filmes do cinema internacional, como Godzilla, O Chamado e Contatos Imediatos e Star Wars, com direito a uma cena com sabres-de-luz!
– Percebi uma melhora na edição do Helgi Thor. Diminuíram os cortes excessivos para cenas que apresentavam somente piadas ou transições confusas, mas ainda é um ponto a se trabalhar.
Pontos Negativos [-]
– O maior deles é o Terceiro Ato do filme, quase inexistente. Então peço paciência para discorrer sobre.
O primeiro ato temos a apresentação dos personagens, com seu protagonista expondo seu desejo de forma consciente. O filme mostra sua capacidade de conquistar seu objetivo e seus limites são externados através da empatia. Esse desejo é constante e comprado pelo público (como filme isolado, não como continuação, onde explico no próximo tópico)
Até a metade do segundo ato, o ritmo aparenta-me condizente. Há o incidente incitante, que é o primeiro grande elemento da história. Há desenvolvimento nisso e inquietação para a história caminhar.
Então a história começa a desandar de maneira discreta. Quando o personagem deixa o incidente incitante, ele depara-se com o Conflito. E toda história só tem movimento adiante por conta do conflito. Nesse momento, a jornada de Francisgleydsson depara-se com conflitos que ora são pequenos e ora quando são grandes que suas soluções são tempestivas demais. Esse segundo ato não prolonga-se, mas o terceiro encurta-se até o que seria o Grande Clímax, que colide já perto do encerramento do filme. O que acontece após o Grande Clímax é uma inversão de expectativa e pronto, o filme termina, deixando uma ou duas cenas para dar pretexto a subida dos créditos. Eu acredito que o intuito foi criar uma estrutura de final falso, como acontece em Alien, O Oitavo Passageiro com uma inversão. Mas como tudo isso é tardio, a inversão é uma troca de valores e fim. A sensação é que não teve terceiro ato.
– Desconsidera muitas conquistas do primeiro filme. Pode ser que o filme queira passar aqueles valores de persistência do cinema e suas dificuldades, mas a história fica sempre andando na corda bamba da repetição. Os novos elementos e formas fazem que o filme fuja da sua antiga problemática. Não o faz, mas fica nas margens de repetir.
– Bem, sobre esse ponto, gostaria de escutar o público com maior lugar de fala. Uma sensação que algumas poucas piadas com gays, religiosos e deficientes margeiam o ofensivo. Acho que a causa e destino do personagem Sérgio Malheiros poderia menos vinculada ao arquétipo apresentado. Para amenizar, o filme usa alguns personagens para advogar contra as próprias ideias apresentadas. Não seria um ponto negativo até que eu reflita e tenha a opinião de vocês. (aqui eu faço um coração com as duas mãos, seguimores)
Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral mesmo com um terceiro ato quase inexistente, é o mais bem produzido. Com diálogos tão naturalmente cearenses que faz a gente rir da gente mesmo. Essa trinca Halder/Edmilson/Bayao é sensa!
P.S: Não duvidem de Francisgleydisson! Meu pai era de Quixeramobim e só o que escutava era história de alienígena. Até que um dia, acompanhando-o em direção a casa do primo Mano do Benfica, clareou tudo e…