Depois de tornar seu nome digno das conversas mais desgastantes dentro da cultura pop pelo seu desempenho como diretor dos filmes de heróis da DC Comics, Zack Snyder finalmente segue a sua carreira lançando Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, projeto exclusivo para o serviço Netflix.
Para isso, o cineasta olhou um pouco para Madrugada dos Mortos, seu elogiado filme de estreia lançado em 2004 e que, curiosamente, você pode assistir atualmente no Prime Video da Amazon. Àquela altura, o grande lance de Snyder foi ter feito uma bela homenagem ao pai do gênero, George A. Romero, ao passo que implementava algumas atualizações como a habilidade dos mortos-vivos em correr, ao invés de ficarem caminhando até o desejado banquete humano. No entanto, o mérito dessa ideia não veio de Snyder, mas sim de outras obras da época como Extermínio (2002).
Claro que o tamanho do diretor hoje nem se compara ao de outrora. Antes, ele era referido como “um cara que comandou videoclipes”, agora é “Snygod”, “visionário”, “salve Martha” etc. Mesmo assim, o roteiro de Army of the Dead foi pensado há mais de dez anos, e foi com a Netflix que ele viu a chance de tirar o projeto do papel após a conturbada relação com quem manda nos heróis da Warner.
Na trama, acompanhamos um grupo de mercenários que, após um surto zumbi em Las Vegas, fazem a aposta de se arriscarem na zona de quarentena para conseguir uma milionária quantia em dinheiro. Liderando a equipe está Scott Ward (Dave Bautista), um soldado que anda distante de sua filha Kate (Ella Purnell) após uma tragédia na família, mas precisará reatar antigos laços para atingir o sucesso em sua nova missão.
De pai pra filha
Não sei se Zack Snyder pensou no roteiro desse filme à luz da tragédia ocorrida com sua filha, peça-chave em todo o drama que ele e sua esposa passaram na época da produção de Liga da Justiça (2017), projeto do qual o casal foi afastado e retomado gloriosamente em 2021 com o Snyder Cut, mas ter na trama uma relação pai e filha indica que sim. No entanto, qualquer elogio para o roteiro do longa fica apenas no campo das ideias e intenções, porque o desenvolvimento acaba deixando (muito) a desejar.
Nesse sentido, Army of the Dead me surpreendeu bastante pela falta de personalidade: se compararmos com Madrugada dos Mortos, as relações humanas não são exatamente bem desenvolvidas (além de serem um tema feijão com arroz dentro da temática zumbi); por outro lado, as cenas de ação remetem muito mais a produções de Michael Bay do que as dotadas de plasticidade como em 300.
Claro que você pode argumentar que desta vez trata-se de um longa de assalto dentro do tema zumbi (e isso é verdade), mas esse é mais um dos pontos onde a ideia fica melhor que a execução. A apresentação da equipe na introdução é bastante interessante, enquanto presenciamos detalhes de como Las Vegas se tornou o lar dos mortos-vivos (o trecho do paraquedista é dos mais agoniantes), mas depois a coisa se perde um pouco com muita atenção a personagens sem carisma e subtramas desinteressantes.
Talvez Snyder tenha assumido funções demais aqui, uma vez que ele também assina o roteiro e comanda a direção de fotografia. Faltou a sensibilidade de um James Gunn (que escreveu Madrugada dos Mortos) para arredondar o texto. O diretor de Guardiões da Galáxia consegue inserir drama familiar, vilões canastrões e humor ácido numa medida excelente, e certamente não colocaria aquela interação pobre entre Dieter (Matthias Schweighöfer) e Vanderohe (Omari Hardwick) como alívio cômico, ou faria isso de uma maneira mais engraçada.
Hierarquia zumbi e o exército dos mortos
Em Army of the Dead, temos momentos bem legais relacionados à temática zumbi. Primeiro é a manutenção do zumbi clássico modernizado, que possui alguma inteligência para atividades como correr junto com o conceito de hibernação (afinal, por quanto tempo eles ficariam rondando Las Vegas em busca de carne humana?). Segundo é a expansão do vírus para animais (como podemos conferir com o tigre infectado), elemento bem difundido principalmente com a franquia Resident Evil. Além desses, há um outro tipo de zumbi, muito mais poderoso, que possui ligação com o infectado original exibido na introdução. Dentre eles, temos uma espécie de rei e rainha que dominam todos os outros. Essa configuração oferece uma dinâmica diferente para o filme da Netflix, mas não o suficiente para torná-lo algo icônico, até porque, são boas ideias já usadas por outros criadores.
Esses elementos podem permitir que Zack Snyder e a Netflix expandam ainda mais o universo criado, caso o público realmente abrace esse lançamento. Aí é com eles.
No mais, fica a leve decepção de que esse projeto poderia representar algo mais, e não um leve retrocesso na carreira do cineasta. O lado bom é ele seguir adiante, mostrar que existe vida fora dos comic movies. Mas Snyder não tem o direito de ser medíocre, seja pro bem ou pro mal.