Depois do desastre fenomenal que foi o segundo filme, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore veio com a intenção de consertar alguns dos buracos deixados, responder questões sobre o famoso diretor de Hogwarts e, muito provavelmente, passar um paninho no comportamento da criadora desse universo…
Antes do dito cujo finalmente ficar pronto, ele teve que passar por algumas provações causadas por escândalos referentes a membros do elenco (Johnny Depp que o diga), nova escalação, pela pandemia, as polêmicas de certa autora, entre outros. Apesar de tudo, ele saiu e vamos ao que interessa.
Sinopse: O professor Alvo Dumbledore (Jude Law) sabe que o poderoso mago das trevas Gellert Grindelwald (Mads Mikkelsen) está se movimentando para assumir o controle do mundo mágico. Incapaz de detê-lo sozinho, ele pede ao magizoologista Newt Scamander (Eddie Redmayne) para liderar uma intrépida equipe de bruxos, bruxas e um corajoso padeiro trouxa em uma missão perigosa, em que eles encontram velhos e novos animais fantásticos e entram em conflito com a crescente legião de seguidores de Grindelwald. Mas com tantas ameaças, quanto tempo poderá Dumbledore permanecer à margem do embate?
Já no começo, o filme solta a braba: Dumbledore (Jude Law) dizendo na cara de Grindelwald (Mads Mikkelsen) que era apaixonado por ele – algo que ficou implícito no anterior, e agora, não só está explícito, como é reforçado ao longo da trama. Provavelmente um jeito de tentarem dizer “Olha, comunidade LGBTQIA+, somos a favor de vocês! Vê?! Tamo falando que eles tinham sim um relacionamento!” e esquecermos um pouco que a criadora dessa história tenta todo dia matar pessoas trans. Enfim, a narrativa se concentra mais ainda nos dois, deixando Newt cada vez mais de lado e perdendo um pouco do propósito da franquia – Jude Law e Mads são fantásticos, mas animais é exagerar um pouco.
Aqui, Dumbledore novamente não pode fazer algo diretamente contra o seu ex, e o filme até mesmo mostra como o feitiço de sangue que eles possuem atua, além de explicá-lo claramente. Aliás, o primeiro arco inteiro é quase todo composto de diálogos, discussões e explicações, deixando-o um pouco expositivo, mas não maçante (não muito, ao menos). Unindo um grupo peculiar e munido da mais alta confiança nele, desenrola planos elaborados que, no geral, não parecem planos, o que torna o segundo ato bem mais dinâmico. Por outro lado, Grindelwald tem a facilidade de contar com a sua habilidade de ver trechos do futuro e se adiantar a qualquer planejamento prévio de Dumbledore, o que envolve as personagens em situações perigosas e cômicas, em alguns momentos. Inclusive, nesse longa, o tom dado ao vilão é mais político, com maquinações precisas para chegar ao seu objetivo, conquistando cada vez mais seguidores com charme e inteligência, algo que o ator possui de sobra para dar e vender (quem assistiu a série Hannibal sabe). O relacionamento entre os personagens é bem mais aprofundado, e eles interagem em alguns pontos necessários na história, se debatendo com o passado, mexendo nas emoções de ambos – um que sente muita culpa e outro, decepção e até uma certa mágoa. No geral, gostei de ver um Dumbledore mais atormentado, revendo atos e pensamentos antigos, um pouco perdido, o que, infelizmente, é um crescimento que pouco vamos ver, visto que quando chegamos à saga Harry Potter, sabemos que o diretor não melhorou muito no quesito de conversa franca, com todas as informações necessárias para uma escolha consciente de quem está envolvido no que precisa ser feito.
O grupo que vai desenrolar os planos de Dumbledore para salvar o mundo mágico é encabeçado por Newt (Eddie Redmayne), seguido de Eulalie/Lally (Jessica Williams), Teseu (Callum Turner), Yusuf Kama (William Nadylam), Bunty (Victoria Yeates) e o nosso querido trouxa, Jacob (Dan Fogler). Cada um, em tese, tem um papel a cumprir, porém, assim como muitos filmes que possuem um elenco principal muito diverso, alguns deles ficam perdidos, como é o caso de Teseu, que não tem função narrativa na trama – além de ser o mocinho indefeso diversas vezes. Jacob é, novamente, um alívio cômico e o recurso que encontraram para corrigir a cagada que fizeram com a Queenie (Alison Sudol) no filme anterior, ao transformarem ela em uma mocinha cabeça de vento com motivação sem sentido; Lally é maravilhosa, incrível, estou apaixonada, mas, dentro da história, surgiu como uma espécie de… Não sei, babá do Jacob, eu acho, porque Dumbledore tá sempre mandando eles juntos em alguma tarefa; Yusuf tem uma incumbência muito específica, e se torna quase o Snape dessa franquia, tendo que espionar o vilão se infiltrando (Snape já tava no meio do fuzuê quando se tornou os olhos e ouvidos do diretor), sendo um personagem bastante centrado e misterioso – não temos a oportunidade de realmente conhecê-lo-, e, por último, o próprio Newt, cujo papel bem estabelecido de mazoologista o divide em cenas chaves ou aleatórias – a cena da prisão é desnecessária e não acrescenta em nada à trama? Sim, porém, como eu chorei de rir, passarei pano para ela. Seu protagonismo, já diminuído no segundo filme, quase se perde completamente aqui, e alguns de seus melhores momentos foram feitos exclusivamente para nos lembrar de que ele está lá.
Dessa vez, os animais têm um objetivo específico dentro da trama, não aparecerem apenas para serem lindos – nada de errado nisso – ou usados rapidamente como “armas” pelo sr. Scamander (ou para vender boneco). Vemos figurinhas carimbadas que já nos conquistaram, como o tronquilho que não sai do bolso de Newt, e conhecemos novos – todos são recurso narrativos bem colocados, e um deles até mesmo é a causa de ações importantes no filme. E, assim como a exploração dos bichinhos foi mais precisa, vemos o mesmo tratamento com personagens secundários, como Queenie, que sabe perfeitamente bem a merda que fez e a vemos atormentada pela sua péssima escolha, ou Credence (Ezra Miller), que tem aparições sem enrolação e um objetivo certeiro. E sei que vocês querem saber da Maria Fernanda Cândido, então vou comentar que, apesar de ser um papel pequeno, ela tem uma presença impactante nas telas, e não é ofuscada por nenhum personagem principal nas suas poucas aparições. Ela tá tão tranquila no filme, que somos convencidos na hora que ela sempre foi bruxa, ali é o seu habitat natural e, em sua fala, um inglês bem bonito. Ouvi pessoas dizendo que a atriz tem um papel importante na trama, e não deixa de ser verdade, mas não esperem destaque. É realmente uma pontinha.
Óbvio, não é tudo só flores em Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore. Várias cenas foram alongadas de forma desnecessária e poderiam ter sido cortadas ou diminuídas. Existem detalhes dentro do filme que se perderam totalmente ou são tão sem explicação que nós é que ficamos perdidos. Por exemplo, uma das regras essenciais de uma boa narrativa é que, se você deu destaque para algo, como um objeto, ele deve ser utilizado na trama – seja para exibir uma característica específica de um personagem que fica melhor mostrando do que falando, ou um objeto que, mais na frente, vai ser importante para a história. E Animais Fantásticos 3 escorrega bonito nisso mais de uma vez, dando ênfase em algo que vai ser descartado de uma maneira bem imbecil. Também podemos acrescentar o sumiço de Nagini, cuja explicação não existe no filme e não encontrei no Google, então se souberem, me digam, e de Tina Goldstein (Katherine Waterson), cuja explicação para o seu afastamento dentro da história é esdrúxula. Ela aparece menos do que a Maria Fernanda Cândido, e entra muda e sai calada, praticamente.
Apesar de o filme se mostrar mais focado, tendo começo, meio e fim bem definidos, e a direção de fotografia ter feito um trabalho belíssimo, com ângulos que valorizam as locações e as personagens, ele se firma muito na nostalgia, trazendo Hogwarts de novo para as telonas, assim como a professora Minerva, vemos Hogsmeade, entre outros detalhes que nos remetem à franquia original, e parece ter se esquecido de dar profundidade às personagens, o que pode tornar o grande vilão um pouco genérico (mesmo que a atuação de Mikkelsen o deixe memorável e crível), e esvaziou seus aliados, que basicamente não têm falas, além de Credence e Queenie. O ritmo da história também se perde em vários momentos, e causa um sentimento de tédio em alguns espectadores. Novamente, o que salva o diretor de ser crucificado pelos escorregões é o elenco maravilhoso, que possui química entre si e busca dar o seu melhor em cada momento.
No geral, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore não foi feito para a trama avançar muito, e sim consertar os buracos e a falta de história do seu antecessor. Você pode assistir visando exclusivamente a diversão, e, assim, não haverá muita decepção.
Sobre aquela que não deve ser nomeada
Se não sabe do comportamento reprovável e danoso de Rowling, você provavelmente mora em uma caverna. A autora – influente, famosa, rica – se utiliza não somente das suas redes sociais para propagar transfobia, como financiar projetos que possuem o mesmo pensamento. Dados lançados pela ONG Transgender Europe (TGU) desde 2008, por volta de 4.042 assassinatos foram registrados no mundo, isso sem contar os que não são registrados, visto que pessoas trans e travestis são marginalizadas e muitas dessas mortes não são catalogadas. Agora, misture isso com uma pessoa com a influência e com amplitude de fala como a autora de uma das franquias mais famosas do mundo. É um enorme incentivo às pessoas transfóbicas que continuem do jeito que estão, pois estão corretas em suas ações – e mesmo que não assassinem diretamente alguém, ainda assim são responsáveis por uma elevada taxa de suicídio da comunidade. Óbvio que dar mais dinheiro e ênfase à essa mulher é algo que não queremos, e ela está creditada, com o nome aparecendo logo no começo em letras enormes na tela.
É impossível separar a autora da sua obra nesse caso, pois é só pensarmos em Harry Potter ou nesse universo, que seu nome surge na conversa, nos pensamentos… Então, como ir assistir a algo tão intrinsecamente ligado a ela? De minha parte, fui assistir e escrevo essa crítica pensando em toda a equipe envolvida no projeto. Foram muitas pessoas trabalhando para que o filme saísse, e a participação da transfóbica é ínfima se comparada a isso, mas ainda faço com consciência e pensamento crítico, além de uma dor no coração.
Muitas pessoas não se sentem mais confortáveis em consumir qualquer coisa que seja que tenha o nome dessa mulher envolvido, mas várias outras não conseguem abrir mão do amor que têm pelo universo, mesmo que desprezem a criadora. Em alguns casos, há o consumo com culpa, em outros, consciência tranquila, pois se dizem capazes de separar a obra da autora. Então, vai da consciência de cada um o que vai fazer, mas se não quer dar destaque algum para ela e ainda querer assistir, você sempre pode esperar sair na HBO Max e fechar a boca para não comentar com ninguém.
Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore estreia nos cinemas dia 14 de abril de 2022.