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A Vida Invisível | Crítica

Baseado no primeiro romance da autora pernambucana Martha Batalha, A Vida Invisível, novo filme do diretor cearense Karim Aïnouz (Madame Satã, Praia do Futuro), apresenta as dores singelas e emocionais de ser mulher em um mundo cruel e desconexo que as torna sem cor .

A história se passa no Brasil dos anos 50 que, infelizmente, ainda traz muitos ecos patriarcais com os dias atuais. Conseguimos ver alguns signos referenciais na história trazida por Karim, apresentando as dores femininas, o que deixa a obra mais reflexiva e dolorosa.

O filme, que toma como base o livro de Martha Batalha A Vida invisível de Eurídice Gusmão – vendido para editoras alemãs e norueguesas antes de ser publicado no Brasil – acompanha as irmãs Eurídice e Guida, duas jovens que sonham, desejam e querem tudo aquilo de mais belo e artístico que a vida possa proporcionar. Na jornada das irmãs, vemos como o destino das duas é modificado bruscamente, nunca permitindo que as conexões de suas almas se percam, mesmo após a separação.

 

Assim, conhecemos Eurídice, interpretada pela atriz Carol Duarte. Ela é a irmã mais alta, tímida e que busca no marfim das teclas do piano o sonho único e poderoso de ser algo além do que a sociedade lhe coloca. Ela procura alcançar o sonho de ser uma grande pianista na Europa. E temos Guida, vivida por Julia Stockler, uma alma que tenta quebrar as barreiras da sociedade e busca o amor. Mesmo em uma sociedade que diz que a sua forma de amar é errada.

Com a separação, Guida tenta buscar o anseio da família e o abraço fraterno de sua irmã, que acabou casando com Antenor (Gregório Duvivier). O pai das duas, o senhor Manuel (Antonio Fonseca) é um homem duro que não permite o retorno da filha “perdida”, escorraça a jovem, e cria uma narrativa de que a irmã de Guida está na Europa, tornando-se uma grande pianista.

A vida de Guida não é fácil, e no outro extremo, a de Eurídice também não é. As duas vão crescendo, buscando esse entendimento em uma sociedade que só as oprime, que mostra que elas não podem ter luz, cor ou vida. A invisibilidade do ser único, desconstruindo a alegria e os sonhos.

A mãe não tem voz, a filha não tem voz, a irmã está silenciada, abandonada e perdida de qualquer momento carinhoso que buscava. Neste contexto, as mulheres são invisíveis perante a dominância boba e imbecil do patriarcado. Elas são destituídas de suas escolhas, desejos e sonhos. Elas são definidas por almas agressivas e sem sal, que insistem em acreditar que sabem o que é o melhor, o direcionamento correto, analítico. Destruidor.

A direção de fotografia da francesa Hélène Louvart é um deslumbre absurdo. Cada momento casa com a beleza melancólica exigida no roteiro. Cada cena parece uma pintura, profunda e cheia de sentimentalidade. Quando a sociedade exige esconder o poder dessas mulheres, elas surgem grandiosas em cena, mostrando que não podemos parar esse poder e nem devemos.

 

Fernanda Montenegro, apresentando uma Eurídice Gusmão mais velha, cheia de saudades e marcas, traz o impacto emocional que a história exige. Ela é intensa, grandiosa e, ao mesmo tempo, tem uma delicadeza sublime, que nos faz perder qualquer dureza na alma. Nos entregamos para essa mulher e entendemos as perdas sentidas durante tanto anos.

O filme ganhou a premiação principal na amostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2019, e foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa de Melhor Filme Estrangeiro na 92° Edição do Oscar.

Em uma poesia dolorosa e lindamente pintada em movimentos orquestrados por Karim, A Vida Invisível é um deleite amoroso e pesaroso da dor de tantas mulheres, com narrativas lindas e captadas por um olhar sensível e único.