Death Note (Netflix) | CRÍTICA

Numa versão canastrona de Adam Wingard, o Death Note da Netflix passa o mais longe possível da obra original. E até que existem coisas divertidas nisso.

Comparar Death Note, o filme da Netflix, com a obra criada por Tsugumi Ohba e Takeshi Obata é o caminho mais fácil a ser seguido pelo público que leu os mangás e acompanhou o anime. E por isso é mergulho certeiro no mar da decepção. Com razão, já que essa versão não lembra em quase nada o exemplar original. Mas é possível assistir o longa com uma outra visão, que torna tudo terrivelmente divertido. Ainda que não incremente a qualidade no final de tudo.

Light Turner (Nat Wolff) é um jovem deslocado do ensino médio, que parece ter raiva de tudo o tempo todo. Quando o Death Note (caderno com o poder de ceifar a vida de quem tiver o nome anotado em suas páginas) cai diante dele, a assombrosa figura de Ryuk (o magistral Willem Dafoe) passa a segui-lo e explicar como tudo funciona. Ao lado de sua namorada Mia (Margaret Qualley), Light coloca em prática o plano de eliminar os piores seres humanos da Terra. Tudo parece correr bem, até que L (Keith Stanfield) entra em seu caminho.

Com todas as mudanças de tom e abordagem, esse Death Note parece habitar um universo alternativo ao da obra original. É de fato muito mais simplório, tendo como exemplos a clara diminuição na inteligência dos protagonistas e situações que beiram a ingenuidade, além de diálogos rasos. Assim como as personalidades dos personagens, que mudam num piscar de olhos. Fruto da pressa imposta pela curta duração de 100 minutos. Mas toda essa liberdade é aproveitada por Adam Wingard, numa apresentação completamente sarcástica e canastrona.

Wingard é fruto do cinema de terror. Percursor do movimento mumblegore, ele já trabalhou nos ótimos Você é o Próximo, ABC da Morte e V/H/S. Cometeu um deslize e tanto ao aceitar dirigir o novo Bruxa de Blair, mas ainda tem respaldo. Aqui ele imprime seu estilo macabro em uma estética neon pelas ruas de Seattle. Com sequências que alternam entre o visualmente impactante e o cafona despretensioso, como nas cenas embaladas por Take My Breath Away e The Power Of Love. Aliás, arrisco dizer que as primeiras mortes do filme vão muito além de meras referências ao clássico Premonição. Esse Death Note é quase um spin-off que tem como missão nunca se levar a sério.

Nat Wolff e Margaret Qualley em cena de Death Note (Divulgação: Netflix).

As incongruências do roteiro acabam tirando o charme dessa sátira aos remakes americanos dos filmes de terror japoneses como O Chamado e O Grito. Existe uma enorme indecisão entre qual caminho seguir, como se o diretor e a Netflix disputassem um cabo de guerra. As cenas de ação não empolgam, na medida em que as interações nada naturais entre os personagens causam boas risadas.

As atuações são condizentes com a atmosfera bizarra do filme. Tornando os personagens afetados ao máximo, com rompantes de fúria que surgem aos montes. Como se vivessem em uma corda bamba emocional muito antes do surgimento do Death Note. Sem contar as motivações simplórias. Ver um adolescente com o poder divino de matar pessoas seria muito mais divertido sem esses incômodos saltando aos olhos. Todas as palmas ficam para Willem Dafoe, mesmo aparecendo menos do que deveria.

Death Note não funciona, e nunca teve essa pretensão, como adaptação da obra original. Mas seria um pecado consumi-lo apenas como mais uma fracassada incursão americana aos animes. Existem elementos pitorescos e um gore açucarado que podem valer o investimento de quase duas horas da sua vida. E para os mais exaltados, o anime continua intacto. Inclusive, também está disponível no catálogo da Netflix. O tipo de situação que só o serviço de streaming pode proporcionar.