Sob a Sombra | Crítica

Apesar de encontrar abrigo no sobrenatural, o terror sempre abre espaço para alegorias e metáforas da vida real. Grandes obras do gênero conseguem trabalhar bem esses elementos, despertando o medo nas situações mais comuns do cotidiano. Ainda que esteja longe dos clássicos, o iraniano Sob a Sombra mostra que entende muito bem essa dinâmica.

Marcando a estreia do diretor Babak Anvari, o longa mostra que os piores demônios nem sempre surgem das histórias que assustam crianças. O mal pode se manifestar de várias formas, todas com seus níveis de crueldade. Sob a Sombra mistura guerra, repressão religiosa e sustos, formando algo que não se vê todos os dias, principalmente no cenário do terror enlatado de Hollywood.

A trama se passa na Teerã do final dos anos 80, na reta final da longa guerra entre Irã e Iraque. Shideh (Narges Rashidi) tenta retomar os estudos na faculdade de Medicina, anos depois de ter sido expulsa por participar de movimentos políticos durante a revolução de 1979. Após receber uma resposta negativa do reitor, ela retorna – visivelmente frustrada – para a companhia de sua filha Dorsa (Avin Manshadi) e do marido Iraj (Bobby Naderi). Quando Iraj vai servir na guerra, ela e Dorsa são atormentadas por djinns (os demônios do islamismo).

Mais do que um drama familiar, Sob a Sombra constrói um drama pessoal. Shideh é o retrato da repressão sofrida por milhares de mulheres, seja no âmbito social ou religioso. A cena em que ela guarda o livro de medicina em uma gaveta é bastante simbólica, representando os sonhos que serão enterrados para sempre. E existem vários desses momentos ao longo do filme.

A estratégia de Babak Anvari é bastante eficiente. Nos primeiros minutos do filme, ele apresenta um cenário de fácil identificação para o espectador, principalmente na questão familiar. Aos poucos, introduz então os elementos sobrenaturais da história. Desse modo, tudo soa perfeitamente estranho para o público e para os personagens. É quando a história te fisga.

O ritmo lento do começo é substituído por câmeras mais fluídas, indicando a mudança de status da trama. Sob a Sombra sabe utilizar a questão visual para criar seu clima de terror, mas sem utilizar – com frequência – os clichês do gênero. O ambiente claustrofóbico do apartamento e do prédio também são cruciais para o sucesso dos momentos de tensão. O baixo orçamento fica evidente nos efeitos utilizados nas entidades, mas nada que estrague sua imersão.

Os próprios djinns funcionam como metáforas. Criaturas que habitam lugares repletos de sofrimento encontram abrigo em um prédio cercado pelo inevitável terror da guerra, assim como assombram uma família com graves problemas de convivência. Nas atuações, todo o destaque vai para Narges Rashidi e Avin Manshadi.

Sob a Sombra mistura de maneira bastante eficiente o terror e as questões políticas da época em que é ambientado. Um longa que pode passar despercebido no catálogo da Netflix, mas que merece bastante atenção.