Divinas | Review

Divinas e a verdadeira Paris na Netflix

Com exceção de Beasts of No Nation, o catálogo de filmes originais Netflix não traz, diferente de suas séries como House of Cards e Stranger Things, produtos memoráveis para a indústria cinematográfica em geral. Mas trabalhos como o francês Divinas, dirigido por Houda Benyamina, podem ajudar a mudar esse panorama

Em um gueto que combina tráfico e religião, Dounia (Oulaya Amamra) tem sede de poder e sucesso. Apoiada por Maimouna (Déborah Lukumuena), sua melhor amiga, ela decidiu seguir os passos de Rebecca (Jisca Kalvanda), uma traficante de drogas respeitada. Seu encontro com Djigui, um jovem e sensual dançarino, vai mudar a sua vida diária.

Divinas funciona muito bem quando decide estabelecer seu cerne com uma Paris pouco mostrada, mas real e crível a quem não quer fechar os olhos para cenários mais desoladores em locais presumidamente ricos (e consequentemente melhores) da Europa. A Cidade Luz já foi retratada de outros modos mais críveis que o habitual em outros filmes, como Azul é a Cor Mais Quente ou Adeus, Primeiro Amor. Mas em Divinas essa faceta é muito mais cruel e atual.

Isso se dá através das periferias da cidade, sujas e sem cor. O contraste entre o belo e o feio em Divinas é reforçado quando a dupla protagonista resolvem se aventurar no centro da cidade, regadas pelo aparente luxo da traficante Rebecca, deixando evidente que todo aquele glamour não as pertence, por mais que elas o almejem.

Em curtas palavras, Dounia pode até se aproximar de uma pseudo condição ideal ao conseguir um Iphone atual, tênis e roupas de marcas famosas e registrar tudo isso no Snapchat, mas ela jamais fará parte desse outro mundo. Temos uma dica disso quando ela tenta andar de salto alto, e a consolidação dessa ideia vem no momento onde ela não consegue embarcar no trem para longe desse mundo devastado. São os franceses que não são franceses, mas muçulmanos.

cena do filme Divinas, com Rebecca, Dounia e maimouna

Talvez seja por esse não reconhecimento que tantos conflitos venham à tona, onde Dounia  (representando aqui uma geração inteira de negligenciados) compra a briga gratuitamente com qualquer instituição seja a escola, a polícia ou mesmo os bombeiros. Não há um diálogo amistoso entre as partes, sequer uma tentativa disso.

Levando em conta todos esses aspectos, fica a impressão que Divinas poderia ser algo maior se trabalhado inteiramente nessa roupagem social (deixando um pouco de lado a ficção que permeia o ato final), como adentrando nos dilemas de outros além de Dounia, por exemplo. Ao invés disso, Houda opta pelo carma, fazendo sua personagem colher o que plantou, mas sem questionar muito de onde vieram as sementes.